São Paulo, segunda-feira, 30 de abril de 2007

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Suassuna conclui e amplia "A Pedra"

Autor retomou saga dos Quaderna depois de adaptações de Luiz Fernando Carvalho à TV e Antunes Filho ao teatro

Escritor termina versão do novo romance até o final do ano; minissérie estréia em junho com conclusões para histórias em aberto

DO ENVIADO A RECIFE

Ariano Suassuna espera entregar até o fim do ano à editora José Olympio a versão final de seu "livro 1", a "preqüência" de "A Pedra do Reino". Narrado como autobiografia do personagem Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, o livro conta a saga de uma família que se auto-proclama verdadeira descendente dos reis brasileiros, que nada têm a ver com "imperadores estrangeirados e falsificados da Casa de Bragança".
A narrativa é inspirada ao mesmo tempo em romances de cavalaria, literatura de cordel e outros elementos da cultura popular brasileira, que Suassuna defende, desde o início da década de 1970, em seu Movimento Armorial.
Reeditado no fim de 2004, no ano passado o alentado livro de mais de 700 páginas foi adaptado para o teatro por Antunes Filho e em junho chega à TV pelas mãos do diretor Luiz Fernando Carvalho, que em 1994 já havia transformado em especial "A Mulher Vestida de Sol", a primeira peça de Suassuna, escrita há 60 anos.
"A Pedra do Reino", a minissérie, terá cinco capítulos e está programada para terminar no dia 16 de junho, quando Suassuna festeja seus 80 anos.

Retomada
Antes da adaptação, assinada por Bráulio Tavares e Luís Alberto de Abreu, Suassuna propôs ao diretor finalizar "algumas coisas que ficaram inconclusas" nos originais de "A Pedra do Reino". Como o crime em que o personagem Dom Pedro Sebastião, tio e padrinho de Quaderna, aparece morto em um quarto fechado e não se sabe como ele morreu. E ainda a história de amor entre os personagens Sinésio e Heliana.
"Com essa retomada, eu me empolguei. Resolvi reintroduzir "A Pedra do Reino" no meu plano original, de cinco livros, que podem ser lidos independentemente. Fico até com vergonha, um homem de 80 anos fazendo uma previsão dessas", brinca Suassuna, que escreve à mão, todas as manhãs, e promete uma novidade.
"O meu teatro é bastante conhecido, principalmente "O Auto da Compadecida", que não é minha peça predileta, mas é disparada a predileta do público. Fiquei conhecido como dramaturgo e, um pouco menos, como romancista. Mas minha poesia é completamente obscura. Agora estou fundindo pela primeira vez os três gêneros, porque na minha opinião a minha poesia é a fonte profunda de tudo o que eu escrevo, inclusive do teatro e do romance."

Taperoá
"A Pedra do Reino" foi toda filmada em Taperoá, sertão da Paraíba, cenário dos acontecimentos do romance e espécie de berço do imaginário de Suassuna, que viveu ali parte de sua infância, depois de perder o pai, o político João Suassuna, assassinado durante a Revolução de 1930, no Rio de Janeiro. Foi em Taperoá que Suassuna iniciou a mescla do popular -ali ele viu as primeiras peças de mamulengos (teatro de bonecos) e desafios de viola- e erudito, que marca sua obra.
"A infância e a adolescência em geral são períodos muito importantes, porque nessa época se forma universo mítico e interior de cada escritor. O sertão da Paraíba foi uma experiência fundamental, principalmente porque tive infância marcada por acontecimentos fortes. Apesar de ter perdido meu pai muito cedo, tive forte influência dele, que era grande leitor e nos deixou uma excelente biblioteca, o que não era comum. Foi ali que li pela primeira vez "O Cortiço", "Os Sertões", "Os Maias" etc."
Em 1942, já adolescente, Suassuna se mudou para Recife, onde viu crescer seu interesse pelas artes plásticas, ao freqüentar a biblioteca do Ginásio Pernambucano e no encontro com o pintor Francisco Brennand. A formação cultural foi ampliada e se consolidou na faculdade de Direito, quando Suassuna formou o grupo de Teatro dos Estudantes de Pernambuco. Faltava, no entanto, outra marca registrada da obra de Suassuna: o humor.
Por conta dos acontecimentos da infância, diz ele, a descoberta da veia cômica foi tardia. E ele atribui papel importante à sua mulher, Zélia.
"Até certa idade era travado, só escrevia tragédias. Depois que conheci Zélia a impressão que tenho é a de que alguma coisa se desatou dentro de mim. Ela me abriu os olhos para o riso e a alegria do mundo."
A guinada para o cômico se deu, conta Suassuna, quando ele, tal qual um poeta romântico do século 19, teve tuberculose aos 21 anos. E voltou a Taperoá, onde Zélia, com quem ainda não era casado, foi visitá-lo.
"Lá eu escrevi a primeira peça cômica da minha vida. Era uma peça em um ato, para mamulengos, que se chamava "Torturas de um Coração ou Em Boca Fechada Não Entra Mosquito". Fiz para recebê-la. Olhe, você veja, eu tinha tudo para não fazer porque estava doente. Mas aí ela já tinha desatado o nó lá de dentro. E doença de pulmão eu ia tirar de letra."

Animoso
Parafraseando seu narrador em "A Pedra do Reino", Suassuna defende que o humor é sua defesa contra o que a vida tem de sombrio: "O riso a cavalo e o galope do sonho são as duas armas de que disponho para enfrentar a dura, mas fascinante, tarefa de viver", diz o escritor, sem tempo para balanços de 80 anos. "Sou por natureza um sujeito animoso e bem-humorado. Mesmo com 80 anos. Então continuo enfrentando a vida", diz. "Não sou otimista nem pessimista. Acho os primeiros ingênuos e os segundos, amargos. Eu procuro ser realista esperançoso. E é por isso que o livro está demorando tanto. Resolvi fazer o primeiro, de jeito que, se não conseguir fazer os outros, ele sozinho dá uma idéia do conjunto. É esse meu projeto por enquanto." (ES)


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