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Sábia e jovem, cantora paira acima do tempo
da Redação
A mídia brasileira é pródiga em,
de tempos em tempos, fartar-se
em pajelanças que vêm apresentar
futuros talentos fermentados em
condições a princípio desfavoráveis. Aconteceu antes com nomes
como Edith do Prato, Mauro e
Quitéria, Selma do Coco. Acontece
agora com Virginia Rodrigues.
Tais talentos, às vezes legitimados por caciques do porte de Caetano Veloso, nem sempre estão
preparados para o cerco da fama
súbita. Arriscam-se, desde o início, a estarem fadados ao ostracismo logo adiante. Alimentam, enquanto duram, o mercado e a sede
da mídia por assuntos da hora e
por descobertas sensacionais.
Posto isso, há que se dizer: Virginia Rodrigues é descoberta sensacional destes anos 90. Ainda que
venha a se tornar apenas mais uma
vítima dos leões de cá e de lá, é dona, em 1997, de disco como há
muito não se ouvia no Brasil.
Seu timbre quase lírico, grave e
arraigadamente negro traz traço
ímpar à história vocal da MPB: solto em 97, paira suspenso no tempo, alienado de quaisquer tentativas de catalogação cronológica.
O disco "Sol Negro" parece vir
dos anos 30 (Aracy de Almeida?),
dos 50 (Marlene?), dos 60 (Clementina de Jesus?), dos 70 (Gal
Costa?), dos 90 (Mônica Salmaso?). A nenhuma dessas eras se encaixa com perfeição. Cabe portanto a todas elas, indistintamente.
Não é pequena a qualidade de ser
atemporal. Aí entra a interferência
de Caetano Veloso, descobridor de
sua existência aos olhos da mídia.
É ele quem imprime à perenidade de Virginia uma marca pré-tropicalista -seu disco poderia ser o
de uma cantora de protesto sessentista, de apego radical às raízes
nacionais e de quando ainda não
havia Gal Costa ou Rita Lee.
Aí Caetano define, de novo, seu
papel no cenário musical do país: o
de guardião zeloso, de asas abertas
sobre as qualidades que ele inventou ao erguer a bandeira tropicalista. Virginia, talento que ele
apresenta, pode ser sorvida como
antídoto à neotropicália de Marisa
Monte, verdadeira e serena que é.
Sua voz transforma em eternas
canções de todas as épocas: o samba histórico "Adeus Batucada"
convive com a contemporaneidade de "Negrume da Noite", do
bloco Ilê Ayé, em dois dos momentos mais intensos do CD. Em
outro, "Nobreza", Virginia recupera cantiga de amigo escrita por
Djavan para Paulinho da Viola,
que nunca a gravou.
"Terra Seca", de Ary Barroso,
pula as décadas para parecer um
afro-samba de Baden e Vinicius,
pré-tropicália de qualquer forma;
"Sol Negro", canção de fato
pré-tropicalista de Caetano, pula
os anos e vira Clube da Esquina, no
dueto dionisíaco com Milton Nascimento.
O talento possível nos 90 só viria
de valores que antecedem -logo
não tensionam- aquele que se
coloca como último momento de
explosão criativa concentrada na
MPB.
Mas Virginia, jovem e sábia, dá o
bote e bate asas rumo à eternidade:
sua voz e sua identidade pagãs, terrenas, carnais, sobrepujam interferências como os arranjos, belos,
mas muito próximos à fase "Fina
Estampa" de Caetano. Ela canta da
forma mais despojada e bela que se
tem podido ouvir, reinstalando a
sofisticação e apostando, afinal,
no futuro. Que a mídia nunca feche os sete buracos de sua cabeça a
ela.
(PAS)
Disco: Sol Negro
Artista: Virginia Rodrigues
Lançamento: Natasha
Quanto: R$ 18, em média
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