|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Fase de 'pedra bruta' começa a ser vencida
do enviado especial
Virginia Rodrigues estreou o
show "Sol Negro", na quarta-feira, em Salvador, como autêntica
pedra bruta que começa a ser lapidada pelo acúmulo de experiência
como foco principal de atenção de
um espetáculo.
Entra recebendo uma pomba-gira, em passos ritualísticos cumpridos na escuridão. O ponto de candomblé se funde à liturgia de "Verônica", cantada em latim. Está estabelecido o sincretismo.
Daí em diante, a cantora irá
manter o semblante sério, tenso,
conferindo a cada nota cantada a
gravidade do som melancólico que
sai de sua garganta.
Cheia de naturalidade, emenda
"Terra Seca" a "Sol Negro", cantada de forma cândida e emocionada. Parece que vai chorar.
As modulações de sua voz são
ainda desordenadas.
Berimbaus e passos ritualísticos
de candomblé anunciam "Noite
de Temporal", logo no começo o
momento mais emocionante do
espetáculo. Braços simulando ondas revoltas do mar, Virginia faz
um chamamento à tempestade noturna, em voz repleta de fúria e
braveza.
Segue-lhe o spiritual americano
"I Wanna Be Ready", em que engasga nas palavras e, atriz, coloca
as mãos nas cadeiras e encena expressões faciais.
Antes de cantar "Manhã de Carnaval", sorri pela primeira vez ao
dizer boa-noite. Logo volta ao
olhar zangado, fixo no horizonte.
Mas aí é a vez de "Negrume da
Noite", que instala na sala ambiente de ritual dominado por
uma Virginia que, ao final da canção, cai sambando, bela e imponente. Sorri pela segunda vez.
Como contraponto, o hino "Israfel" toma conta do recinto, dedicado a Deus e aos deuses, em novo
momento sublime. Dá lugar à pagã
"Amor, Meu Grande Amor", que
Virginia canta em voz embargada.
Estabelece-se o laço com a modernidade que faltava ao CD: por
vontade própria, converte a obra
de Angela RoRo -uma das mais
completas artistas brasileiras das
duas últimas décadas- num hino
gospel, só prejudicado pelo arranjo "fina estampa", destoante.
Ainda assim, evidencia-se a veia
antenada da artista, independente
de estrelas-guias. É esse mesmo fator que faz estranha sua versão para "Antonico", de Ismael Silva. Aí
pode-se ver que Virginia ainda não
acumula cacife para fazer frente
aos arroubos tropicalistas da versão de Gal Costa, em "Fatal" (71).
Mas aí a cantora volta a ficar à
vontade, na maravilhosa "Adeus
Batucada", em que se despede enquanto cai de novo de samba e sorri pela terceira vez. O Brasil já tem
uma nova diva, ela só precisa ser
polida.
(PAS)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|