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CINEMA/ESTRÉIAS
"ONDE A TERRA ACABA"
Documentarista Sérgio Machado diz que nunca camuflaria a admiração pelo autor de "Limite"
Filme aborda o enigma Mário Peixoto
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A partir do "claro enigma" cinematográfico que é Mário Peixoto
(1908-92), cineasta de um filme só
("Limite", 1931), Sérgio Machado,
34, construiu "Onde a Terra Acaba", documentário que estréia
hoje no Rio e em São Paulo.
Filme-homenagem, "Onde a
Terra Acaba" toma de empréstimo o nome do segundo projeto
de longa-metragem que Peixoto
começou a realizar e cujas filmagens abandonou antes do fim, na
sequência de uma série de desentendimentos com a estrela e produtora do título, Carmen Santos.
Assistir a "Limite" na adolescência, ainda que numa "sessão
horrorosa" e com o filme projetado em velocidade inadequada (a
24 quadros por segundo, e não
nos 16 quadros por segundo que
eram o padrão na época de sua
realização), transformou-se numa experiência definitiva para
Machado.
O documentarista diz que nunca pretendeu camuflar a admiração por Peixoto, cuja importância
"na história do cinema mundial"
ele considera "ainda não devidamente reconhecida".
Olhar apaixonado
"Passei umas boas madrugadas
pensando em que tipo de aproximação teria desse cara que nem
conheci. Resolvi, num determinado momento, que não precisava
violentar aquilo que tinha sentido
aos 17 anos. Por que devo fazer
um documentário objetivo, se a
minha relação com o cinema é
apaixonada? Não consigo entender por que algumas pessoas
acham que esse olhar distante, de
quem se esforça para ser isento, é
mais revelador do que um olhar
apaixonado", diz.
O documentário reconstitui
parte da biografia de Peixoto e
traz cenas de "Limite" e do inconcluso "Onde a Terra Acaba". A
compilação do material foi feita
em dois anos de pesquisas no Arquivo Mário Peixoto, depositado
na mesma Videofilmes que produziu o longa de Machado. Houve também uma importante doação de gravações sobre e com Peixoto, pelo cineasta Ruy Solberg.
"É um caso raro de documentário de compilação em que quase
tudo o que devia ser compilado já
estava reunido num arquivo estupidamente bem organizado. O
que senti diante de material tão rico e tão bom foi a preocupação de
não conseguir fazer um filme à altura de sua beleza", diz Machado.
Hipóteses
À parte a reconstituição factual
de vida e obra de Peixoto, "Onde a
Terra Acaba" procura lançar ao
menos duas questões sobre a essência da criação cinematográfica
e a estética do cinema, tomada
numa perspectiva histórica.
Entrevistado, o cineasta Cacá
Diegues diz que "Limite" permanece como uma possibilidade
abortada na história do cinema. O
filme apontaria para uma ruptura
estética interrompida com o advento do cinema sonoro.
De Nelson Pereira dos Santos
parte a outra hipótese: "Limite" é
uma obra-prima engendrada por
suas peculiares condições de produção -um jovem talentoso pôde trabalhar em obediência exclusiva ao seu impulso criativo. "Limite" foi realizado numa fazenda
da família de Peixoto, com apoio
financeiro do pai do cineasta.
Há também um paradoxo interno na realização de "Onde a Terra
Acaba". Trata-se de homenagem
a um expoente do cinema não-linear, feita por um adepto da tradição narrativa do cinema. "Nunca tive desejo de fazer nada muito
experimental. Minha paixão pelo
cinema está relacionada à possibilidade de contar uma história. Sou
apaixonado pela narração. Curiosamente, sou também apaixonado por um filme que não é narrativo", afirma Machado.
"Limite", que nunca foi exibido
em circuito comercial, tem lançamento previsto para o final de junho no país. A Videofilmes e a Funarte obtiveram patrocínio da
Brasil Telecom para recuperar e
duplicar cópias de "Limite", além
de adaptá-lo ao formato atual de
exibição cinematográfica.
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