São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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CRÍTICA

Documentário peca por omissão

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

"Onde a Terra Acaba", de Sérgio Machado, é um documentário comedido sobre um tema esquivo, o cineasta Mário Peixoto e sua obra rarefeita.
Peixoto dirigiu um filme ("Limite"), escreveu um livro de poesias ("Mundéu") elogiado por Mário de Andrade, um romance ("O Inútil de Cada Um"), do qual foi publicado o primeiro dos seis volumes projetados, e diários e depoimentos que ainda continuam inéditos.
O título do documentário é o mesmo do filme que Mário Peixoto começou a fazer quando ainda montava "Limite" e, como todos os outros que tentaria ao longo da vida, não conseguiu acabar.
O título é também fragmento de uma frase, "Onde a terra acaba começam as coisas do espírito", que, como tantas de Mário Peixoto, tem um forte poder evocativo. A frase tem um quê de verso, mas o seu sentido último permanece arredio -ou vazio.
O documentário de Machado é simpático a Peixoto. Motivo para simpatia há de sobra: "Limite", nunca lançado comercialmente desde que ficou pronto, em 1931, é uma obra-prima.
Obra-prima problemática. "Limite" foi pouquíssimo visto, não teve influência no cinema nacional e, não obstante, foi considerado o melhor filme brasileiro de todos os tempos num levantamento feito pela Folha em 1998.
"Onde a Terra Acaba" é simpático ao biografado e à sua obra. É com zelo de pesquisador que Sérgio Machado apresenta os dados fundamentais da vida de Mário Peixoto e mostra cenas de "Limite" e de sua filmagem.
A adesão do documentário à imagem que Mário Peixoto fazia de si mesmo é um trunfo e um travo. Trunfo porque "Onde a Terra Acaba" capta algo da poética de "Limite": seus planos compassados, sua fotografia contrastada, suas sequências enigmáticas e sua montagem fluida.
E travo porque o filme não escapa da mitomania de Peixoto. Sérgio Machado não mostra a situação concreta do artista que biografa, mantendo-o afastado do contexto social e da discussão estética que o moldaram.
O documentário não conta que Mário Peixoto escreveu um artigo de elogio a "Limite" e, em busca de prestígio, o atribuiu ao cineasta russo Sergei Eisenstein.
Tampouco informa que Glauber Rocha escreveu um artigo contra "Limite" sem ao menos ter assistido ao filme -o que não o impediu de tocar em várias questões pertinentes.
A apresentação da crítica de Glauber Rocha faria sentido num documentário que buscasse ir além da constatação de que Mário Peixoto dirigiu um grande filme.
Os melhores momentos de "Onde a Terra Acaba" são os que Machado se afasta do mito, deixando claro que Edgar Brazil teve um papel decisivo em "Limite". O fotógrafo inventou o equipamento que possibilitou a filmagem.
O diretor também contrasta a racionalização queixosa de Peixoto com o depoimento sereno e afetuoso do cineasta Ruy Solberg, que fez de tudo para que o diretor de "Limite" pudesse filmar.
O documentário, enfim, mostra que "Limite" foi fruto de um acaso e de um impulso. Mário Peixoto parou aí. Não fez mais filmes porque ele mesmo criava dificuldades intransponíveis.


Onde a Terra Acaba   
Direção: Sérgio Machado
Produção: Brasil, 2001
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco




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