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CRÍTICA
Documentário peca por omissão
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
"Onde a Terra Acaba", de
Sérgio Machado, é um
documentário comedido sobre
um tema esquivo, o cineasta Mário Peixoto e sua obra rarefeita.
Peixoto dirigiu um filme ("Limite"), escreveu um livro de poesias ("Mundéu") elogiado por
Mário de Andrade, um romance
("O Inútil de Cada Um"), do qual
foi publicado o primeiro dos seis
volumes projetados, e diários e
depoimentos que ainda continuam inéditos.
O título do documentário é o
mesmo do filme que Mário Peixoto começou a fazer quando ainda
montava "Limite" e, como todos
os outros que tentaria ao longo da
vida, não conseguiu acabar.
O título é também fragmento de
uma frase, "Onde a terra acaba
começam as coisas do espírito",
que, como tantas de Mário Peixoto, tem um forte poder evocativo.
A frase tem um quê de verso, mas
o seu sentido último permanece
arredio -ou vazio.
O documentário de Machado é
simpático a Peixoto. Motivo para
simpatia há de sobra: "Limite",
nunca lançado comercialmente
desde que ficou pronto, em 1931, é
uma obra-prima.
Obra-prima problemática. "Limite" foi pouquíssimo visto, não
teve influência no cinema nacional e, não obstante, foi considerado o melhor filme brasileiro de todos os tempos num levantamento
feito pela Folha em 1998.
"Onde a Terra Acaba" é simpático ao biografado e à sua obra. É
com zelo de pesquisador que Sérgio Machado apresenta os dados
fundamentais da vida de Mário
Peixoto e mostra cenas de "Limite" e de sua filmagem.
A adesão do documentário à
imagem que Mário Peixoto fazia
de si mesmo é um trunfo e um
travo. Trunfo porque "Onde a
Terra Acaba" capta algo da poética de "Limite": seus planos compassados, sua fotografia contrastada, suas sequências enigmáticas
e sua montagem fluida.
E travo porque o filme não escapa da mitomania de Peixoto. Sérgio Machado não mostra a situação concreta do artista que biografa, mantendo-o afastado do
contexto social e da discussão estética que o moldaram.
O documentário não conta que
Mário Peixoto escreveu um artigo
de elogio a "Limite" e, em busca
de prestígio, o atribuiu ao cineasta
russo Sergei Eisenstein.
Tampouco informa que Glauber Rocha escreveu um artigo
contra "Limite" sem ao menos ter
assistido ao filme -o que não o
impediu de tocar em várias questões pertinentes.
A apresentação da crítica de
Glauber Rocha faria sentido num
documentário que buscasse ir
além da constatação de que Mário
Peixoto dirigiu um grande filme.
Os melhores momentos de
"Onde a Terra Acaba" são os que
Machado se afasta do mito, deixando claro que Edgar Brazil teve
um papel decisivo em "Limite". O
fotógrafo inventou o equipamento que possibilitou a filmagem.
O diretor também contrasta a
racionalização queixosa de Peixoto com o depoimento sereno e
afetuoso do cineasta Ruy Solberg,
que fez de tudo para que o diretor
de "Limite" pudesse filmar.
O documentário, enfim, mostra
que "Limite" foi fruto de um acaso e de um impulso. Mário Peixoto parou aí. Não fez mais filmes
porque ele mesmo criava dificuldades intransponíveis.
Onde a Terra Acaba
Direção: Sérgio Machado
Produção: Brasil, 2001
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco
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