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"O MISTÉRIO DA LIBÉLULA"
Filme transforma esquema de investigação em ofício de fé
CRÍTICO DA FOLHA
Kevin Costner é o doutor
Joe Darrow, que se vê duplamente enviuvado quando um acidente no interior da Venezuela
amazônica acaba por vitimar a
sua mulher, uma idealista médica
da Cruz Vermelha, que estava
grávida.
Decidido a trocar a dor do luto
pelo cansaço, o viúvo se põe a trabalhar obsessivamente. Mas,
além de lhe trazer reminiscências
indesejadas, o hospital, onde sua
mulher também atendia, começa
a lhe ameaçar a razão. Nele, o
doutor Darrow, sujeito cético e
ateu, passa a vivenciar, um tanto
contrariado, experiências extramundanas.
É assim que "O Mistério da Libélula" começa a se configurar
como um filme (cristão) de conversão, ainda que devidamente
enquadrado nos limites de seu gênero, o thriller sobrenatural. É,
portanto, um "filme de conversão" ao estilo leigo hollywoodiano, em que o protagonista deve se
impor sobre o mistério, resolvê-lo
e não, à maneira das conversões
rossellinianas, ser simplesmente
abatido por ele.
No cinema cristão moderno de
Rossellini (e de Bresson), a conversão vem de uma revelação experimentada pelos protagonistas
sem conhecimento de causa e de
forma necessariamente repentina
e brutal. Na fórmula clássica a que
"O Mistério da Libélula" recorre
ordinariamente, a conversão não
difere de um processo investigativo, e o mistério místico nunca
deixa de ser um "segredo atrás da
porta" que o protagonista deve
desvendar e elucidar.
O protagonista prende o espectador na eterna promessa de
"mais a ver" das imagens ao se
embrenhar numa investigação
em que deve sempre superar obstáculos e transpor balizas.
No caso, as explicações científicas que os colegas de Costner lhe
dão para os tais fenômenos extrasensoriais e as ponderações da vizinha encarnada por Kathy Bates
funcionam como obstáculos
-obstáculos da razão à livre fruição da crença. E os conselhos espirituais dados pela freira interpretada por Linda Hunt funcionam como balizas.
Quanto mais aumenta a crença
de Costner na possibilidade de
sua mulher estar lhe mandando
mensagens do além, mais ele se
aproxima, efetivamente, da solução do mistério em questão. A revelação mística não pode se dar
aqui sem uma racionalização investigativa, sem uma elucidação.
Ao recorrer a esse esquema clássico do thriller, "O Mistério da Libélula" tenta talvez conciliar, à
moda antiga de Hollywood, a
mensagem, o "ofício de fé" do filme aos interesses comerciais da
produção, tornando-se duplamente condenável. Moralmente,
por explorar e traficar (ainda uma
vez) a crença. Comercialmente,
por não revigorar esse desgastado
esquema com a mínima sutileza
ou inteligência, por não "pegar",
enfim.
(TIAGO MATA MACHADO)
O Mistério da Libélula
Dragonfly
Direção: Tom Shadyac
Produção: EUA, 2002
Com: Kevin Costner, Joe Morton, Ron
Rifkin, Linda Hunt
Quando: a partir de hoje nos cines
Central Plaza, SP Market, Villa-Lobos,
Eldorado, Metrô Santa Cruz, Interlar
Aricanduva e circuito
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