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CINEMA/ESTRÉIAS
"BARAN"
Após início trivial, longa revela sentimentos um tanto fora de moda
Iraniano recupera virtudes da delicadeza e do pudor
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
No cinema, o realismo é
uma tendência tinhosa, pois
se o que vemos na tela limita-se a
representar a vida cotidiana, acaba nos oferecendo uma experiência apenas desinteressante, quando não tediosa.
Esse tipo de filme só passa a interessar de fato quando, à força de
não abrir mão de seus princípios,
começa a registrar algo que não
costumamos captar a olho nu. Isso é que faz o encanto de um cineasta como Abbas Kiarostami,
ou de um filme como "O Dia do
Perdão" -encanto que, para se
manifestar, depende de que o espectador se abra ao excesso de
realidade e se mostre receptivo.
O início de "Baran" promete
uma sessão tediosa. Estamos num
edifício em construção, entre operários afegãos ilegais. Não é muito
emocionante, e Majid Majidi, diretor do filme, parece enfatizar esse aspecto, trabalhando num registro quase monocromático.
Lembra "Metrópolis", o clássico
mudo de Fritz Lang, sem superprodução ou aventura. O pouco
de emoção, nesse início, vem de
Lateef, jovem iraniano que passa
os dias fazendo compras e servindo chá para os demais operários.
Sua desgraça começa quando
um operário afegão, ilegal, quebra
a perna. Impossibilitado de trabalhar e ganhar a vida, ele manda no
lugar seu filho Rahmat. Jovem demais para o trabalho pesado, Rahmat assume as funções de Lateef,
que não gosta nada da mudança.
Enciumado, Lateef passa a hostilizar o menino, cujos gestos passa a
observar tão obsessivamente que,
a horas tantas, descobre que ele
não é ele, mas ela, e que seu nome
é Baran, e não Rahmat.
Esse é o momento que transforma o destino do filme, pois daí
por diante deixará de lembrar
"Metrópolis" para evocar outra
história, a de "Sublime Obsessão", esse melodrama filmado
duas vezes, por John Stahl e Douglas Sirk. O princípio do protagonista em "Sublime Obsessão"
consiste em fazer o bem sem ser
reconhecido. Em linhas gerais, é
isso que Lateef fará. Como o protagonista daqueles filmes, seu altruísmo é movido pelo amor.
Desde então, Majidi abandonará o ponto de venda do filme (história de operários afegãos no exílio iraniano e seus sofrimentos
-o que interessa sobretudo aos
americanos, já que espicaça os
russos, bombardeia o Taleban e
alfineta o Irã). Deixará de lado
também o cinza insistente do início e permitirá que as cores invadam a imagem, que os detalhes
pontuem a trama e ofereçam, enfim, esse excesso de real de que o
filme se ressente no início.
São imagens cujo pudor reforça
a beleza: o rosto da garota apenas
entrevisto através de uma porta,
um objeto que se perde nas águas
límpidas de um riacho, a marca
de um pé amado impressa no barro. Essas cenas convivem com outras, menos animadoras, meio clichês, como o reflexo do rosto de
Lateef na água turbulenta.
No que é essencial, descobrimos
com "Baran" algumas novas dívidas em relação ao Islã (que costumamos ver como um bando de
fanáticos terroristas), como a perpetuação de sentimentos um tanto fora de moda entre nós, como o
pudor, a delicadeza, a timidez.
Não é pouca coisa para um filme, assim como não é pouco evocar "Sublime Obsessão" de maneira inteiramente original. É
mais do que suficiente para o espectador esquecer a aridez e a trivialidade que a primeira parte do
filme parece prometer.
Baran
Idem
Produção: Irã, 2001
Direção: Majid Majidi
Com: Hossein Abedini, Zahra Bahrami e
Mohammad Amir Naji
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Cineclube DirecTV e Espaço
Unibanco
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