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Estratégia de marketing e ação da mídia "plugam" a sociedade em um simulacro do mundo
Enjaulados na matrix
France Presse
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Mulher passeia em frente a um pôster de "Matrix Reloaded", em Bancoc; nos EUA, filme perde bilheteria para Jim Carrey |
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Divulgação
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O ator Keanu Reeves (Neo) em cena do filme "Matrix Reloaded" |
FRANK RICH
DO "THE NEW YORK TIMES"
"Matrix Reloaded" é
enfadonho, literalmente
regido por Morpheus, o personagem que induz ao transe representado por Laurence Fishburne.
Mas não faz mal. Ninguém pode
discutir com uma estréia que arrecada US$ 135,8 milhões em quatro dias. A própria estréia já validou a premissa do filme.
A idéia presente em "Matrix" é
que a humanidade vive plugada
num programa de realidade virtual criado por máquinas para
brincar com nossos cérebros ao
mesmo tempo em que roubam a
potência bioelétrica de nossos
corpos. A AOL Time Warner, a
máquina poderosa por trás dos
filmes, realizou uma façanha semelhante ao plugar os EUA em
seu programa de marketing de
"Matrix Reloaded", com o objetivo de saquear nossos bolsos.
"A partir da segunda-feira, 28
de abril, o índice de consciência
desse filme será de 95%", disse
seu produtor, Joel Silver, à revista
"Entertainment Weekly", semanas antes da estréia de "Reloaded". Nos EUA, país em que dois terços da população não sabe os
nomes de nenhum dos nove candidatos democratas à presidência,
de acordo com sondagem da CBS
e do "The New York Times", é
uma façanha. Para consegui-la, é
certo que os produtores tiveram a
ajuda da própria "Entertainment", publicação da AOL Time
Warner que colocou "Reloaded"
na capa duas vezes em um só mês.
A genialidade da estratégia de
relações públicas adotada foi a exploração do status cult do filme
original, visto como uma espécie
de orgia de kung fu para jovens
pensantes. "Reloaded" não seria
apenas mais uma sequência
hollywoodiana inflada -em lugar disso, teria peso filosófico suficiente para impulsionar uma nova geração de web sites metafísicos. A partir disso, surgiram os artigos exageradamente elogiosos, enfatizando que seus criadores, os irmãos Wachowski, não dão entrevistas. Para reforçar a
idéia, apareceu Cornel West, um
professor de Princeton que tem
uma participação minúscula no
filme e não se mostra nem um
pouco avesso com a imprensa. Ele
disse à "Time" (para sua matéria
de capa) que ""os irmãos curtem
filosofia e poesia épica, Schopenhauer e William James" e que
"Larry Wachowski sabe mais sobre Herman Hesse do que a maioria dos acadêmicos alemães".
Tão distantes do pragmatismo
vil estão os irmãos Wachowski,
que chegaram ao ponto de limitar
a criação de produtos ligados à
franquia "Matrix", segundo seus
agentes publicitários. "Os cineastas não quiseram desagradar a sua
base de fãs, vendendo-se por dinheiro", disse ao "The Wall Street
Journal" um executivo ligado ao
filme. Assim, eles limitaram os
produtos ligados a "Reloaded" ao
videogame "Enter the Matrix", a
figuras de ação, óculos de sol e um
DVD de animação. Outros produtos de imagem ligada ao filme
também foram mantidos ao mínimo: bebidas Powerade, Cadillac, motos Ducati e cerveja Heineken. Para que ninguém possa
pensar que essa comercialização
equivale a "vender-se" no mau
sentido, fomos avisados de que os
Wachowski traçaram um limite:
rejeitaram uma proposta para autorizar o McDonald's a criar lanches com a temática "Matrix".
Hoje a AOL Time Warner é um
dos conglomerados gigantes de
mídia que mais problemas enfrenta. Mesmo em estado enfraquecido, ela possui os recursos necessários para fazer a atenção
de boa parte dos EUA voltar-se
para qualquer história que contar.
A promoção que está fazendo
de "Reloaded" constitui um uso
relativamente benigno desse poderio enorme: se você for sugado
para dentro do filme e não gostar,
o pior que pode lhe acontecer é
perder algumas horas de seu tempo e o preço de um ingresso. Mas
as gigantes da mídia que detêm
um poder tão considerável nem
sempre o utilizam para fins tão
frívolos assim. Não somos plugados apenas para que elas possam
nos vender filmes e outros produtos de entretenimento. Essas empresas também têm condições de plugar o país em narrativas noticiosas tão onipresentes e leves
quanto "Reloaded", mas que são
acompanhadas por efeitos colaterais mais prejudiciais.
É o que vem acontecendo durante a luta da América contra
Osama bin Laden. Durante os
anos em que os terroristas da Al
Qaeda se prepararam para o 11 de
setembro, as gigantes da mídia estavam ocupadas vendendo coisas
como os escândalos de Bill Clinton, a vida sexual de Gary Condit
e ataques de tubarões. Todas essas
eram notícias legítimas. Mas o
efeito que exerceram foi mais ou
menos análogo ao que "Reloaded" está tendo ao ser exibido em
8.517 salas, ocupando o espaço da
maioria dos outros filmes.
Se existe algum herói em nossa
própria saga "Matrix", talvez seja
Barry Diller, que se expressa melhor em palavras do que Neo
(Keanu Reeves), embora seja menos versado nas artes marciais.
Diller, atual presidente da USA
Interactive, já dirigiu a Paramount, a Vivendi e a Fox. Com a
exceção do semi-aposentado Ted
Turner, ele é o único magnata do
"show business" que não adere
sem questionar o argumento de
que o advento de 500 canais de
TV e um número infinito de sites
garantem fontes alternativas de
entretenimento e notícias. Ele diz
que os 500 canais de TV vão acabar pertencendo todos às mesmas
cinco empresas e que, com a chegada da banda larga, as empresas
que controlam os modems a cabo
velozes vão acabar por dominar
também a web. "Nossa sociedade
será prejudicada", diz ele.
Na opinião de Diller, essa concentração de poder explica boa
parte do que vem dando errado
em nossa cultura, desde a perda
de qualidade do jornalismo na televisão até "o porquê de os filmes
serem ruins". Para ele, são ruins
porque hoje se encontram "a 20
círculos de poder de distância"
dos principais responsáveis por
tomar as decisões nessas empresas enormes. "Ninguém liga para
os filmes", diz ele. "Não passam
de produtos criados para dar retorno. As empresas não competem realmente umas com as outras. Elas se auxiliam. Os filmes da
Fox precisam ser vendidos à
HBO. A rede a cabo Warner precisa aceitar conteúdo da Fox porque a Fox tem esportes. Elas conversam apenas entre elas. Não são
obrigadas a levar mais ninguém
em conta."
Mas nem Diller nem mais ninguém deve pôr fim a essa consolidação do poderio cultural a não
ser que o público saiba e se importe o suficiente para protestar. E essa hipótese parece ser altamente
improvável. Recompensamos filmes medíocres com bilheterias
recorde. Esperamos que nossa
mídia jornalística apresente a verdade em versão ficcionalizada. E,
como já foi observado por outros,
o aspecto mais desanimador do
escândalo envolvendo Jayson
Blair talvez seja que os próprios
sujeitos de suas matérias na maioria dos casos nem sequer se deram ao trabalho de queixar-se ao
"The New York Times" pelas
mentiras publicadas a seu respeito -simplesmente supuseram
que isso fosse a prática comum e
corriqueira dos jornais.
De uma maneira ou de outra, já
estamos todos vivendo como em
"Matrix".
Tradução de Clara Allain
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