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Circo cabeça
Espetáculo russo que chega em junho une jogos intelectuais e influências do teatro "avant garde"; Slava Polunin, seu criador, atuou no Cirque du Soleil
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
O circo que desembarca no
próximo dia 13 em São Paulo
-e dia 4 de julho no Rio- vem
dos confins da Rússia, e no entanto tem "Mas que Nada"
(Jorge Ben Jor) na trilha; inclui
uma tempestade de neve, mas
também bolas de praia gigantes; não possui enredo nem diálogos, e muitas crianças não vão
entender nada. Ah, sim: dizem
que faz mais chorar do que rir.
Parece nonsense, mas faz todo o sentido para Slava Polunin, 56, que traz pela primeira
vez ao Brasil os jogos intelectuais do seu "Slava's Snow-
show". O espetáculo de palhaços, criado em 1993, tem influência do teatro "avant garde" e é focado nos adultos, "que
não são felizes por natureza,
como as crianças".
"Snowshow" já passou por
mais de 25 países (recebeu prêmios em vários deles, como o
Laurence Olivier, na Inglaterra) e foi visto por mais de 1 milhão de pessoas. Uma pista: são
de Slava os números de palhaço
de alguns shows do Cirque du
Soleil -incluindo "Alegría",
que será exibido no país a partir
de julho (leia à pág. E3).
O que não significa que um e
outro tenham o mesmo estilo.
"Os personagens do Cirque du
Soleil são fantásticos, fascinam
pela performance, pela habilidade física; os meus são ligados
à realidade. No teatro, você precisa de conexão com o real para
tocar o coração das pessoas",
diz Slava, por telefone, de sua
casa na França, à Folha (com a
ajuda de uma tradutora; o artista só fala russo). "Uma das
razões pelas quais deixei de
trabalhar com o Cirque é porque eu buscava a paixão humana, algo difícil de se conseguir
no circo. Apesar de considerá-los o melhor circo do mundo."
A semelhança está na busca
de grandiosidade, seja na tempestade de neve (aviso: ela é
feita de pedacinhos de papel, e
vítimas dizem que dá um trabalhão limpar a roupa e o cabelo depois), seja em partes manjadas de "Carruagens de Fogo"
e "Carmina Burana" na trilha.
De resto, os esquetes de
"Snowshow" alternam brincadeiras e melancolia. "O que
quer que você espere do show
estará errado. Não se parece
com nada, porque tento realizar os meus sonhos, e todos
têm sonhos diferentes. Uns podem dizer que foi fantástico como dar uma volta numa montanha russa, outros podem dizer que é triste, que choraram o
tempo inteiro", diz.
Tragicômico
Slava Polunin começa o espetáculo com uma corda no pescoço, num esforço tragicômico
para encontrar a outra ponta
-nela, está outro palhaço, também preso pelo pescoço com
um nó. Em determinado momento, trava uma batalha com
resmungos incompreensíveis
em dois telefones gigantes; em
outro, invade o público, escalando cadeiras.
Ou pode ser que não aconteça exatamente assim. Definido
como um "work in progress"
(trabalho em andamento),
"Snowshow" mudou "completamente", de acordo com Slava,
desde sua criação.
"Nem para os artistas fica
claro sempre quem é que vai interpretar que parte. Às vezes há
dois artistas no palco, às vezes
há dez. Às vezes, amigos vão visitar, e eu lhes dou fantasias,
maquiagem e os convido a subir ao palco. Até minha neta, de
dois anos, já atuou comigo uma
vez", diz.
Renovação
Espetáculos de circo, em especial números com palhaços,
perderam um público considerável no começo do século passado -o que pode ter sido, na
visão de Slava, culpa dos próprios artistas.
"Os palhaços usavam um
modelo que era do século 18,
não conseguiam encontrar novos temas. Eu e outros palhaços
hoje buscamos a cultura contemporânea. Nos meus espetáculos, há idéias de [Antonin]
Artaud e [Jerzy] Grotoswki, a
força da tecnologia, da literatura, das artes plásticas", diz
O que não impede que o resultado divida o público.
"Snowshow" costuma ser amado ou odiado, sem meios-termos. Um fórum de leitores no
site do "New York Times" dá
uma boa medida dessa relação.
Alguém repara que "ninguém
avalia o show como mediano".
Opiniões como "nenhum outro
espetáculo teve impacto tão
grande na minha alma" intercalam-se com "não pense em ir
vê-lo a não ser que tenha sofrido uma lobotomia".
Sobre o palco, Slava pode não
notar essas discordâncias, mas
diz perceber reações mais gerais. "O público é diferente em
cada lugar, e preciso encontrar
o jeito certo de atingi-lo, o que
pode demorar minutos ou vários dias. Em Paris, precisei de
uma semana para achar o tom.
Na Inglaterra, tive de tornar a
performance mais minimalista
e absurda. Em Nova York, foi
mais fácil, mais feliz; na Espanha, mais intenso. Meu humor
não é específico para nenhuma
nacionalidade."
E o que imagina do público
no Brasil? "Só sei que estou indo para o país mais alegre do
mundo. Vai dar tudo certo."
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