São Paulo, quarta-feira, 30 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Circo cabeça

Espetáculo russo que chega em junho une jogos intelectuais e influências do teatro "avant garde"; Slava Polunin, seu criador, atuou no Cirque du Soleil

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

O circo que desembarca no próximo dia 13 em São Paulo -e dia 4 de julho no Rio- vem dos confins da Rússia, e no entanto tem "Mas que Nada" (Jorge Ben Jor) na trilha; inclui uma tempestade de neve, mas também bolas de praia gigantes; não possui enredo nem diálogos, e muitas crianças não vão entender nada. Ah, sim: dizem que faz mais chorar do que rir.
Parece nonsense, mas faz todo o sentido para Slava Polunin, 56, que traz pela primeira vez ao Brasil os jogos intelectuais do seu "Slava's Snow- show". O espetáculo de palhaços, criado em 1993, tem influência do teatro "avant garde" e é focado nos adultos, "que não são felizes por natureza, como as crianças".
"Snowshow" já passou por mais de 25 países (recebeu prêmios em vários deles, como o Laurence Olivier, na Inglaterra) e foi visto por mais de 1 milhão de pessoas. Uma pista: são de Slava os números de palhaço de alguns shows do Cirque du Soleil -incluindo "Alegría", que será exibido no país a partir de julho (leia à pág. E3).
O que não significa que um e outro tenham o mesmo estilo. "Os personagens do Cirque du Soleil são fantásticos, fascinam pela performance, pela habilidade física; os meus são ligados à realidade. No teatro, você precisa de conexão com o real para tocar o coração das pessoas", diz Slava, por telefone, de sua casa na França, à Folha (com a ajuda de uma tradutora; o artista só fala russo). "Uma das razões pelas quais deixei de trabalhar com o Cirque é porque eu buscava a paixão humana, algo difícil de se conseguir no circo. Apesar de considerá-los o melhor circo do mundo."
A semelhança está na busca de grandiosidade, seja na tempestade de neve (aviso: ela é feita de pedacinhos de papel, e vítimas dizem que dá um trabalhão limpar a roupa e o cabelo depois), seja em partes manjadas de "Carruagens de Fogo" e "Carmina Burana" na trilha.
De resto, os esquetes de "Snowshow" alternam brincadeiras e melancolia. "O que quer que você espere do show estará errado. Não se parece com nada, porque tento realizar os meus sonhos, e todos têm sonhos diferentes. Uns podem dizer que foi fantástico como dar uma volta numa montanha russa, outros podem dizer que é triste, que choraram o tempo inteiro", diz.

Tragicômico
Slava Polunin começa o espetáculo com uma corda no pescoço, num esforço tragicômico para encontrar a outra ponta -nela, está outro palhaço, também preso pelo pescoço com um nó. Em determinado momento, trava uma batalha com resmungos incompreensíveis em dois telefones gigantes; em outro, invade o público, escalando cadeiras.
Ou pode ser que não aconteça exatamente assim. Definido como um "work in progress" (trabalho em andamento), "Snowshow" mudou "completamente", de acordo com Slava, desde sua criação.
"Nem para os artistas fica claro sempre quem é que vai interpretar que parte. Às vezes há dois artistas no palco, às vezes há dez. Às vezes, amigos vão visitar, e eu lhes dou fantasias, maquiagem e os convido a subir ao palco. Até minha neta, de dois anos, já atuou comigo uma vez", diz.

Renovação
Espetáculos de circo, em especial números com palhaços, perderam um público considerável no começo do século passado -o que pode ter sido, na visão de Slava, culpa dos próprios artistas.
"Os palhaços usavam um modelo que era do século 18, não conseguiam encontrar novos temas. Eu e outros palhaços hoje buscamos a cultura contemporânea. Nos meus espetáculos, há idéias de [Antonin] Artaud e [Jerzy] Grotoswki, a força da tecnologia, da literatura, das artes plásticas", diz
O que não impede que o resultado divida o público. "Snowshow" costuma ser amado ou odiado, sem meios-termos. Um fórum de leitores no site do "New York Times" dá uma boa medida dessa relação. Alguém repara que "ninguém avalia o show como mediano". Opiniões como "nenhum outro espetáculo teve impacto tão grande na minha alma" intercalam-se com "não pense em ir vê-lo a não ser que tenha sofrido uma lobotomia".
Sobre o palco, Slava pode não notar essas discordâncias, mas diz perceber reações mais gerais. "O público é diferente em cada lugar, e preciso encontrar o jeito certo de atingi-lo, o que pode demorar minutos ou vários dias. Em Paris, precisei de uma semana para achar o tom. Na Inglaterra, tive de tornar a performance mais minimalista e absurda. Em Nova York, foi mais fácil, mais feliz; na Espanha, mais intenso. Meu humor não é específico para nenhuma nacionalidade."
E o que imagina do público no Brasil? "Só sei que estou indo para o país mais alegre do mundo. Vai dar tudo certo."


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.