São Paulo, quarta-feira, 30 de maio de 2007

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Sem homens nem vacas

Uma coisa são 20 milhões de vacas soltando gases. Outra são 60 milhões de franceses convertidos às saladas

Q UE FAZER com as vacas francesas? Assunto sério: li uns tempos atrás que as vacas do país eram ameaça letal para o equilíbrio planetário. De acordo com os sábios, são 20 milhões de vacas libertando 38 toneladas de gases para a atmosfera. Tradução: incomparavelmente mais do que as 14 refinarias de petróleo que existem na França.
Para começar, temos o gás metano, capaz de furar o ozônio com violência irreparável. E, para acabar, temos o óxido nitroso, conhecido pelo povo como "gás do riso". Tem as suas vantagens: por experiência própria, asseguro que os agricultores franceses exibem perante os turistas uma invejável boa disposição o dia inteiro. Hoje, tenho pena deles. Lembram Chernobyl?
Existem soluções. A primeira é combater a dieta das vacas, introduzindo um antiflatulento nos repastos. A segunda é combater a dieta dos homens, conduzindo a manada humana para os doces vales do vegetarianismo. Tolero a primeira, tenho dúvidas sobre a segunda: uma coisa são 20 milhões de vacas soltando gases para a atmosfera. Outra são 60 milhões de franceses convertidos às saladas e comportando-se como as vacas.
Eu, pessoalmente, tenho uma terceira solução. Matar as vacas. Se o problema são as vacas, nada melhor do que acabar com elas.
Aliás, nada melhor do que acabar com tudo. Só esta semana, o WSP Environmental, uma agência independente sediada em Londres que se preocupa com o aquecimento global, resolveu soltar, não gases, mas um novo estudo igualmente preocupante. Parece que trabalhar em casa não é benéfico para o planeta.
Tempos houve em que os sábios acreditavam no contrário: quem trabalha em casa não se desloca para o emprego. Quem não se desloca não consome combustíveis fósseis. Quem não consome combustíveis fósseis não contribui para o aquecimento global. Ficar em casa era o caminho responsável.
Não mais: nos dias que passam, 12% da população ativa trabalham em casa. São 3,4 milhões de pessoas soltando 2,38 toneladas de dióxido de carbono ao aquecer o lar, cozinhar no lar, respirar no lar. Insustentável. Melhor trabalhar no escritório, afirmam os sábios, embora esse regresso aos gabinetes apresente um custo de 1,68 tonelada de gases lançados anualmente na atmosfera.
Moral da história? O mundo aquece e, para a ciência, o homem não está bem em lado nenhum. Não está bem em casa. Não está bem no trabalho. Desconfio que não esteja bem nas pastagens verdejantes da França. Somos, no fundo, como as vacas gaulesas, uma ameaça natural por vivermos as nossas vidas com a regularidade possível. Valerá a pena continuar?
Eu acho que não. E acho mais: em nome do planeta, e da religião secular em que o ambientalismo se tornou, talvez não fosse má idéia um último sacrifício. É duro, eu sei. Mas o suicídio coletivo dos homens permitiria entregar o destino do mundo ao próprio mundo. Sem homens, e obviamente sem vacas, talvez assim a ciência e o planeta pudessem arrefecer um bocadinho.


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