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JOÃO PEREIRA COUTINHO
Sem homens nem vacas
Uma coisa são 20 milhões de vacas soltando gases. Outra são 60 milhões de franceses convertidos às saladas
Q UE FAZER com as vacas francesas? Assunto sério: li uns
tempos atrás que as vacas do
país eram ameaça letal para o equilíbrio planetário. De acordo com os
sábios, são 20 milhões de vacas libertando 38 toneladas de gases para
a atmosfera. Tradução: incomparavelmente mais do que as 14 refinarias de petróleo que existem na
França.
Para começar, temos o gás metano, capaz de furar o ozônio com violência irreparável. E, para acabar, temos o óxido nitroso, conhecido pelo
povo como "gás do riso". Tem as
suas vantagens: por experiência
própria, asseguro que os agricultores franceses exibem perante os turistas uma invejável boa disposição
o dia inteiro. Hoje, tenho pena deles.
Lembram Chernobyl?
Existem soluções. A primeira é
combater a dieta das vacas, introduzindo um antiflatulento nos repastos. A segunda é combater a dieta
dos homens, conduzindo a manada
humana para os doces vales do vegetarianismo. Tolero a primeira, tenho dúvidas sobre a segunda: uma
coisa são 20 milhões de vacas soltando gases para a atmosfera. Outra
são 60 milhões de franceses convertidos às saladas e comportando-se
como as vacas.
Eu, pessoalmente, tenho uma terceira solução. Matar as vacas. Se o
problema são as vacas, nada melhor
do que acabar com elas.
Aliás, nada melhor do que acabar
com tudo. Só esta semana, o WSP
Environmental, uma agência independente sediada em Londres que
se preocupa com o aquecimento global, resolveu soltar, não gases, mas
um novo estudo igualmente preocupante. Parece que trabalhar em casa
não é benéfico para o planeta.
Tempos houve em que os sábios
acreditavam no contrário: quem trabalha em casa não se desloca para o
emprego. Quem não se desloca não
consome combustíveis fósseis.
Quem não consome combustíveis
fósseis não contribui para o aquecimento global. Ficar em casa era o caminho responsável.
Não mais: nos dias que passam,
12% da população ativa trabalham
em casa. São 3,4 milhões de pessoas
soltando 2,38 toneladas de dióxido
de carbono ao aquecer o lar, cozinhar no lar, respirar no lar. Insustentável. Melhor trabalhar no escritório, afirmam os sábios, embora esse regresso aos gabinetes apresente
um custo de 1,68 tonelada de gases
lançados anualmente na atmosfera.
Moral da história? O mundo aquece e, para a ciência, o homem não está bem em lado nenhum. Não está
bem em casa. Não está bem no trabalho. Desconfio que não esteja bem
nas pastagens verdejantes da França. Somos, no fundo, como as vacas
gaulesas, uma ameaça natural por
vivermos as nossas vidas com a regularidade possível. Valerá a pena
continuar?
Eu acho que não. E acho mais: em
nome do planeta, e da religião secular em que o ambientalismo se tornou, talvez não fosse má idéia um último sacrifício. É duro, eu sei. Mas o
suicídio coletivo dos homens permitiria entregar o destino do mundo ao
próprio mundo. Sem homens, e obviamente sem vacas, talvez assim a
ciência e o planeta pudessem arrefecer um bocadinho.
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