São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 2008

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"Banquete tropicalista" de Glauber volta restaurado

Clássico "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" reestréia hoje

Premiado em Cannes-69, filme de Glauber Rocha teve negativos perdidos em incêndio e faz parte de pacote de relançamentos

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Este maio ganha ainda mais sentido com o relançamento oportuno de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", filme que na cultura brasileira se impôs, ao lado do disco "Tropicália ou Panis et Circensis", como a expressão nacional dos ideais de uma época, 1968, de que neste mês se comemoraram 40 anos.
A restauração do filme de Glauber Rocha (prêmio de melhor direção em Cannes em 1969) promove a revisão no "tropicolor" original da obra, cuja sobrevivência esteve ameaçada desde que seus negativos se perderam num incêndio em 1972 no laboratório GCT, na França.
Em 1983, uma cópia dublada em francês foi entregue à Cinemateca Brasileira por seu co-produtor Claude Antoine. A partir de 2003, quando Paloma Rocha assumiu a frente dos trabalhos de preservação dos filmes do pai, começou a ser feito um processo de pesquisa e reconstituição de cinco longas de Glauber.
Segundo Paloma, "a segunda fase do projeto, cujo objetivo é restaurar os filmes que Glauber realizou no exílio, como "O Leão de Sete Cabeças" e 'História do Brasil", está em fase de captação de recursos".
O restauro contou com a supervisão de técnicos envolvidos na produção original. Envolve também aspectos rocambolescos, como o áudio de "O Dragão...", cuja versão em português foi feita a partir de uma cópia que se encontrava na Cinemateca de Cuba e teve um pequeno trecho resgatado de material pirata na internet.
A estética glauberiana, acusada recentemente pelo humorista Marcelo Madureira de ser uma "merda", é de difícil assimilação. Há uma saturação de sentidos em sua interpretação dos mitos e da desigual estrutura social brasileira, intensificada pela forma modernizante, de ruptura e antropofágica, que Glauber impõe.
"O Dragão..." é um desdobramento da épica que o cineasta formulou em "Deus e o Diabo na Terra do Sol". À dimensão popular (do povo como protagonista, da religiosidade como força de rebelião) e à retomada do cangaceiro Antonio das Mortes, ele agrega a dimensão da política no coronel, retrato do Brasil repressor naquele momento e em outros tempos.
Em "O Dragão...", Glauber emula a epopéia do western, devora os códigos gerados pela matriz norte-americana e os devolve sob a forma de alegoria, excessiva e violenta, com cortes abruptos, descontinuidades e encenação sempre no limite.
Este banquete tropicalista, iluminado pela vestimenta roxa de Odete Lara, pode até ser visto como uma "merda", mas não deixa de ter a nossa cara.


O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO
Produção:
Brasil, 1968
Direção: Glauber Rocha
Com: Mauricio do Valle, Othon Bastos
Onde: a partir de hoje no Espaço Unibanco Pompéia; classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo


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