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TELEVISÃO
O futebol é a vingança de um Brasil frustrado
MIRIAM CHNAIDERMAN
especial para a Folha
A série "Futebol", que a GNT
vem exibindo a cada domingo -
amanhã será o último bloco-,
além de ser uma terna homenagem aos nossos velhos craques, é
uma proposta que introduz o gingado no documentário.
Parece que os diretores levam
radicalmente adiante a proposta
de Tostão, que afirma: "A diferença de um grande jogador para
outro é a capacidade de inventar o
momento".
Esse é o grande enigma de qualquer um: como inventar o momento. O documentário é feito de
momentos entrecortados em um
tempo montado. Os instantes se
misturam, texturas distintas que
se intercalam em linda montagem.
Musicalidade imagética duplicada em pandeiros ou soturnos pianos. Como o parangolé de Hélio
Oiticica, instaura-se uma nova relação que torna o que era conhecido um novo conhecimento.
O jogo é parangolé e o documentário é parangolé. A cada instante
de "Futebol" sucede-se outro,
mas sem ruptura. A bola vai passando carinhosamente de imagem
a imagem, a bola que "foi a melhor amante" de Nílton Santos e
que para Didi "deve ficar embaixo
da cama pra, quando a gente acordar, tocar, acariciar...".
Histórias do presente são narradas por personagens do passado.
São os craques consagrados que
vão contando suas histórias e que
por meio delas contam as histórias
de meninos que buscam uma carreira de jogador de futebol ou dos
jovens que acabam de ser admitidos em grandes clubes.
Os três tempos se misturam,
apontando para um destino inelutável: o da perda do lugar da fama.
E nessas histórias vai surgindo um
Brasil de sonho e dor.
Assim como os craques são idolatrados, também são escorraçados e esquecidos. Um torcedor,
após uma derrota do Flamengo,
grita para o jogador Lúcio: "Eu tenho vergonha de voltar pra minha
casa e olhar pra meu filho!"
É grave, é muito grave: a honra
familiar está nas mãos dos ídolos.
Assim o documentário vai buscando entender o que cada brasileiro deposita no futebol. Mais
uma fala de Tostão: "O Brasil é
um país inferior aos outros, tem
tudo pra ser o mais rico e não é,
não consegue, isso é uma frustração que a gente leva pro futebol.
Futebol é a nossa vingança".
Desde o menino que vai para o
Rio sonhando ser jogador do Flamengo, até aqueles que conseguem, o Brasil futebol é decifrado
em suas multifacetas num cuidadoso trabalho de pesquisa e acompanhamento dos personagens.
A verdade na ficção ou a ficção
da verdade, um novo jeito de cine-verdade. Na montagem, nos
enquadramentos, na narrativa, na
música, há algo de muito novo e
terno nesse jeito de contar de um
futebol que é tão nosso.
Miriam Chnaiderman é psicanalista e diretora
do curta-metragem "Dizem Que Sou Louco".
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