São Paulo, sábado, 30 de maio de 1998

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TELEVISÃO
O futebol é a vingança de um Brasil frustrado

MIRIAM CHNAIDERMAN
especial para a Folha

A série "Futebol", que a GNT vem exibindo a cada domingo - amanhã será o último bloco-, além de ser uma terna homenagem aos nossos velhos craques, é uma proposta que introduz o gingado no documentário.
Parece que os diretores levam radicalmente adiante a proposta de Tostão, que afirma: "A diferença de um grande jogador para outro é a capacidade de inventar o momento".
Esse é o grande enigma de qualquer um: como inventar o momento. O documentário é feito de momentos entrecortados em um tempo montado. Os instantes se misturam, texturas distintas que se intercalam em linda montagem.
Musicalidade imagética duplicada em pandeiros ou soturnos pianos. Como o parangolé de Hélio Oiticica, instaura-se uma nova relação que torna o que era conhecido um novo conhecimento.
O jogo é parangolé e o documentário é parangolé. A cada instante de "Futebol" sucede-se outro, mas sem ruptura. A bola vai passando carinhosamente de imagem a imagem, a bola que "foi a melhor amante" de Nílton Santos e que para Didi "deve ficar embaixo da cama pra, quando a gente acordar, tocar, acariciar...".
Histórias do presente são narradas por personagens do passado. São os craques consagrados que vão contando suas histórias e que por meio delas contam as histórias de meninos que buscam uma carreira de jogador de futebol ou dos jovens que acabam de ser admitidos em grandes clubes.
Os três tempos se misturam, apontando para um destino inelutável: o da perda do lugar da fama. E nessas histórias vai surgindo um Brasil de sonho e dor.
Assim como os craques são idolatrados, também são escorraçados e esquecidos. Um torcedor, após uma derrota do Flamengo, grita para o jogador Lúcio: "Eu tenho vergonha de voltar pra minha casa e olhar pra meu filho!"
É grave, é muito grave: a honra familiar está nas mãos dos ídolos. Assim o documentário vai buscando entender o que cada brasileiro deposita no futebol. Mais uma fala de Tostão: "O Brasil é um país inferior aos outros, tem tudo pra ser o mais rico e não é, não consegue, isso é uma frustração que a gente leva pro futebol. Futebol é a nossa vingança".
Desde o menino que vai para o Rio sonhando ser jogador do Flamengo, até aqueles que conseguem, o Brasil futebol é decifrado em suas multifacetas num cuidadoso trabalho de pesquisa e acompanhamento dos personagens.
A verdade na ficção ou a ficção da verdade, um novo jeito de cine-verdade. Na montagem, nos enquadramentos, na narrativa, na música, há algo de muito novo e terno nesse jeito de contar de um futebol que é tão nosso.


Miriam Chnaiderman é psicanalista e diretora do curta-metragem "Dizem Que Sou Louco".



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