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BALÉ
Montalvo une dança e artes plásticas
ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O sucesso de José Montalvo
chegou no momento em que
a França concedia ao hip hop o
status de movimento de renovação artística, ao mesmo tempo em
que o multiculturalismo provocado pelos imigrantes fazia das cidades um território cada vez mais
mestiço. Ao fazer de seus espetáculos um reflexo apaziguador de
tal contexto, ele e seu grupo de
dança conquistaram uma popularidade que fez lembrar o auge de
Maurice Béjart.
Em cartaz hoje e amanhã no
Teatro Municipal de São Paulo, o
mais recente espetáculo de Montalvo -"Le Jardin de Io Io Ito
Ito"- deve ser também compreendido pela ótica da arquitetura e artes plásticas, expressões formadoras do coreógrafo, que se
envolveu com a dança já adulto.
Em parceria com a bailarina
Dominique Hervieu, assistente de
coreografia, Montalvo concebe
espetáculos abertos para todas as
técnicas, que convivem em cena
sem perder a autonomia. Lado a
lado, há o balé clássico, o flamenco e danças africana e contemporânea, além das modalidades de
rua, como hip hop, break e rap.
Por não se interpenetrarem, essas técnicas não promovem uma
escritura coreográfica sofisticada.
Independentes, mas compartilhando o mesmo estado de celebração, os bailarinos compõem
uma população mista. Entre diferentes tipos físicos e raciais, há,
por exemplo, a antilhana Chantal
Loïal, gorducha e carismática, o
chinês Zheng Wu, da Academia
de Dança de Pequim, e os campeões de dança de rua Ahmed El
Jattari e Simhamed Banhalima.
Pelo menos por enquanto, o que
interessa para Montalvo é pensar
a dança como um elemento associado ao cinema e às artes plásticas, e também como uma fonte de
prazer e autodesenvolvimento
-daí seu trabalho junto a populações das periferias das cidades,
em hospitais psiquiátricos, além
da animação dos famosos Bailes
Modernos, que congregam multidões na França.
Sobrepondo a direção cênica à
coreografia, Montalvo mostra seu
lado mais instigante ao inserir no
palco a constelação dada. Apropriações, jogos, mistura de gêneros, fronteiras instáveis entre escultura, teatro, dança e poesia, colagens e justaposições, compõem
"Le Jardin de Io Io Ito Ito", título
que remete à obra de um mestre
da colagem e do dadaísmo, Max
Ernst (1891-1976).
Por meio da técnica de infografia, Montalvo associa imagens
reais e virtuais, como se uma fosse
prolongamento da outra. Inspirado em Ernst, cujos romances-colagens misturavam estranheza e
fantasia em desenhos de seres humanos com cabeças de animais,
Montalvo faz dos bailarinos seres
também cambiáveis, capazes de
se confrontar com seu duplo ou
transmudar-se em bichos, como
se fossem personagens de uma fábula (não à toa, La Fontaine é uma
das referências literárias do coreógrafo).
Para completar, há a afinidade
com o cinema de Fellini e Tatit, de
onde Montalvo parece retirar um
humanismo feito de ridículo e sublime. Munidos de tais componentes, seus espetáculos trilham
vias acessíveis, procurando despertar o sentimento de festa coletiva. É o que ele vem conseguindo
desde "Paradis", de 1987, e agora
com "Le Jardin de Io Io Ito Ito",
seja em palcos da China ou Paris.
Le Jardin de Io Io Ito Ito
Direção: José Montalvo
Quando: hoje e amanhã, às 21h
Onde: Teatro Municipal de São Paulo
(pça Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 00/xx/
11/223-3022)
Quanto: de R$ 10 a R$ 60
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