São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 2000


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BALÉ
Montalvo une dança e artes plásticas

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sucesso de José Montalvo chegou no momento em que a França concedia ao hip hop o status de movimento de renovação artística, ao mesmo tempo em que o multiculturalismo provocado pelos imigrantes fazia das cidades um território cada vez mais mestiço. Ao fazer de seus espetáculos um reflexo apaziguador de tal contexto, ele e seu grupo de dança conquistaram uma popularidade que fez lembrar o auge de Maurice Béjart.
Em cartaz hoje e amanhã no Teatro Municipal de São Paulo, o mais recente espetáculo de Montalvo -"Le Jardin de Io Io Ito Ito"- deve ser também compreendido pela ótica da arquitetura e artes plásticas, expressões formadoras do coreógrafo, que se envolveu com a dança já adulto.
Em parceria com a bailarina Dominique Hervieu, assistente de coreografia, Montalvo concebe espetáculos abertos para todas as técnicas, que convivem em cena sem perder a autonomia. Lado a lado, há o balé clássico, o flamenco e danças africana e contemporânea, além das modalidades de rua, como hip hop, break e rap.
Por não se interpenetrarem, essas técnicas não promovem uma escritura coreográfica sofisticada. Independentes, mas compartilhando o mesmo estado de celebração, os bailarinos compõem uma população mista. Entre diferentes tipos físicos e raciais, há, por exemplo, a antilhana Chantal Loïal, gorducha e carismática, o chinês Zheng Wu, da Academia de Dança de Pequim, e os campeões de dança de rua Ahmed El Jattari e Simhamed Banhalima.
Pelo menos por enquanto, o que interessa para Montalvo é pensar a dança como um elemento associado ao cinema e às artes plásticas, e também como uma fonte de prazer e autodesenvolvimento -daí seu trabalho junto a populações das periferias das cidades, em hospitais psiquiátricos, além da animação dos famosos Bailes Modernos, que congregam multidões na França.
Sobrepondo a direção cênica à coreografia, Montalvo mostra seu lado mais instigante ao inserir no palco a constelação dada. Apropriações, jogos, mistura de gêneros, fronteiras instáveis entre escultura, teatro, dança e poesia, colagens e justaposições, compõem "Le Jardin de Io Io Ito Ito", título que remete à obra de um mestre da colagem e do dadaísmo, Max Ernst (1891-1976).
Por meio da técnica de infografia, Montalvo associa imagens reais e virtuais, como se uma fosse prolongamento da outra. Inspirado em Ernst, cujos romances-colagens misturavam estranheza e fantasia em desenhos de seres humanos com cabeças de animais, Montalvo faz dos bailarinos seres também cambiáveis, capazes de se confrontar com seu duplo ou transmudar-se em bichos, como se fossem personagens de uma fábula (não à toa, La Fontaine é uma das referências literárias do coreógrafo).
Para completar, há a afinidade com o cinema de Fellini e Tatit, de onde Montalvo parece retirar um humanismo feito de ridículo e sublime. Munidos de tais componentes, seus espetáculos trilham vias acessíveis, procurando despertar o sentimento de festa coletiva. É o que ele vem conseguindo desde "Paradis", de 1987, e agora com "Le Jardin de Io Io Ito Ito", seja em palcos da China ou Paris.


Le Jardin de Io Io Ito Ito
    Direção: José Montalvo Quando: hoje e amanhã, às 21h Onde: Teatro Municipal de São Paulo (pça Ramos de Azevedo, s/nº; tel. 00/xx/ 11/223-3022) Quanto: de R$ 10 a R$ 60




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