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ANÁLISE
Sistema digital sinaliza mudanças
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
O Ministério das Comunicações oferece em seu site
(www.mc.gov.br) nova versão de
documentos referentes à regulamentação da TV digital no Brasil.
O assunto, que vem ocupando o
governo desde janeiro, merece
ampla discussão pública.
A TV digital é tema estratégico
como poucos. Há questões de definição técnica. Mas, acima de tudo, está em jogo um enorme potencial de transformar a desigualdade cultural que estrutura a sociedade brasileira desde a época
da colônia.
Mais do que a escolha de um padrão de transmissão -americano, europeu, japonês, chinês ou
brasileiro-, há definições conceituais que sinalizam um potencial de descentralização da produção de conhecimento capaz de alterar as convencionais noções de
entretenimento, educação, economia e política, em favor de uma
ênfase na cultura em seu sentido
mais amplo e erudito.
Tudo isso porque a TV digital
pode ser interativa e implantada
em cima do modelo de TV aberta.
A depender das escolhas políticas
que forem feitas agora, o aparelho
de televisão pode vir a dar acesso à
enorme gama de opções, às infinitas possibilidades de interação e
aos inúmeros bancos de dados
disponíveis na rede.
A TV digital pode realizar mais
depressa do que se imagina a
anunciada integração dos meios
de comunicação. Hoje é possível
captar filmes e assistir a alguns
poucos programas e trailers na internet. A integração pode incrementar a produção cinematográfica, uma vez que favorece o acesso a produções nacionais, atuando sobre o clássico problema da
distribuição.
Em um país como o Brasil, carente de políticas de inclusão,
também digital, a conexão entre
televisão e internet pode ser revolucionária. Especialmente se
comprovada a viabilidade da
transformação dos atuais aparelhos, presentes em 90% dos lares,
em vias de acesso ao universo da
comunicação virtual.
Os interesses envolvidos são
enormes. Além de recursos que o
governo promete liberar para a
pesquisa, há disputa por diversos
mercados: da fabricação de aparelhos ao controle de canais. Para
não falar em royalties e patentes.
Uma rápida comparação entre
os documentos ora divulgados e
suas versões anteriores (também
divulgadas) sugere a complexidade econômica e política do problema.
As emissoras atuais concessionárias de canais de TV aberta e
analógica se sentem ameaçadas.
Institutos de pesquisa ligados à
indústria nacional de eletroeletrônicos têm disputado agressivamente assento no comitê que deve conduzir o processo decisório.
Acusado de privilégio, o ministério procura se resguardar ampliando ligeiramente o escopo do
comitê proposto e ressalvando de
antemão o direito do Estado sobre patentes resultantes de pesquisas que vier a financiar.
Espera-se que o governo mantenha a atenção que vem dando ao
problema e saiba lidar de maneira
transparente e inovadora com a
magnitude dos interesses envolvidos. Espera-se que o debate se
concentre nas definições conceituais do modelo a ser adotado,
para a partir delas enfrentar os
lobbies corporativos.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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