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São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 2003

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ANÁLISE

Sistema digital sinaliza mudanças

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Ministério das Comunicações oferece em seu site (www.mc.gov.br) nova versão de documentos referentes à regulamentação da TV digital no Brasil. O assunto, que vem ocupando o governo desde janeiro, merece ampla discussão pública.
A TV digital é tema estratégico como poucos. Há questões de definição técnica. Mas, acima de tudo, está em jogo um enorme potencial de transformar a desigualdade cultural que estrutura a sociedade brasileira desde a época da colônia.
Mais do que a escolha de um padrão de transmissão -americano, europeu, japonês, chinês ou brasileiro-, há definições conceituais que sinalizam um potencial de descentralização da produção de conhecimento capaz de alterar as convencionais noções de entretenimento, educação, economia e política, em favor de uma ênfase na cultura em seu sentido mais amplo e erudito.
Tudo isso porque a TV digital pode ser interativa e implantada em cima do modelo de TV aberta. A depender das escolhas políticas que forem feitas agora, o aparelho de televisão pode vir a dar acesso à enorme gama de opções, às infinitas possibilidades de interação e aos inúmeros bancos de dados disponíveis na rede.
A TV digital pode realizar mais depressa do que se imagina a anunciada integração dos meios de comunicação. Hoje é possível captar filmes e assistir a alguns poucos programas e trailers na internet. A integração pode incrementar a produção cinematográfica, uma vez que favorece o acesso a produções nacionais, atuando sobre o clássico problema da distribuição.
Em um país como o Brasil, carente de políticas de inclusão, também digital, a conexão entre televisão e internet pode ser revolucionária. Especialmente se comprovada a viabilidade da transformação dos atuais aparelhos, presentes em 90% dos lares, em vias de acesso ao universo da comunicação virtual.
Os interesses envolvidos são enormes. Além de recursos que o governo promete liberar para a pesquisa, há disputa por diversos mercados: da fabricação de aparelhos ao controle de canais. Para não falar em royalties e patentes.
Uma rápida comparação entre os documentos ora divulgados e suas versões anteriores (também divulgadas) sugere a complexidade econômica e política do problema.
As emissoras atuais concessionárias de canais de TV aberta e analógica se sentem ameaçadas. Institutos de pesquisa ligados à indústria nacional de eletroeletrônicos têm disputado agressivamente assento no comitê que deve conduzir o processo decisório.
Acusado de privilégio, o ministério procura se resguardar ampliando ligeiramente o escopo do comitê proposto e ressalvando de antemão o direito do Estado sobre patentes resultantes de pesquisas que vier a financiar.
Espera-se que o governo mantenha a atenção que vem dando ao problema e saiba lidar de maneira transparente e inovadora com a magnitude dos interesses envolvidos. Espera-se que o debate se concentre nas definições conceituais do modelo a ser adotado, para a partir delas enfrentar os lobbies corporativos.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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