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ANÁLISE
Falta irreverência a "Senhora do Destino"
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Como é de praxe, a primeira
fase de "Senhora do Destino", a nova novela das oito da
Globo, situa didaticamente os
personagens na geografia e na
história do Brasil. A novela apresenta qualidade técnica primorosa, mas não tem a irreverência que
marcou o gênero nos seus melhores anos -ironicamente os anos
de ditadura e censura.
É 1968. Estamos no Rio às margens do rio São Francisco. Mais
precisamente, é 13 de dezembro,
dia do AI-5, ato que marcou o endurecimento do regime militar
em meio a manifestações de rua.
O tom documental engana. Os
dois cenários aparecem com sinal
invertido ao que tinham na época.
Cenas de violência nas ruas da
cinza metrópole carioca se alternam a tomadas de um Nordeste
glamouroso. A fotografia cinematográfica garante uma luz dourada em lindas paisagens bucólicas.
No ano em que "Senhora do
Destino" começa, estava no ar
"Beto Rockfeller", novela de
Bráulio Pedroso, dirigida por Lima Duarte e produzida por Cassiano Gabus Mendes na então TV
Tupi.
"Beto" é precursora de "Senhora", pois inaugurou as novelas
gravadas em locação, com personagens que falam linguagem coloquial, tratam de temas da moda,
sem dispensar alguma ironia. Ele
é herói sem caráter. Ela é politicamente correta.
A trajetória de Josefa, senhora
da alta sociedade, que homenageia a proprietária do "Correio da
Manhã", jornal carioca de oposição, é de honrosa derrota histórica. Merecem foto, com direito a
legenda, personagens com quem
contracena: o general Costa e Silva, o governador Carlos Lacerda e
o jornalista Paulo Francis, todos
mortos.
Já a trajetória da pobre Maria do
Carmo, mulher do povo, de fibra,
já sabemos, será de honrosa vitória, como foi a do presidente Lula
e a do próprio autor da novela.
Do realismo, a novela resvala
para o "reality show" ao apresentar Marília Gabriela no papel de
Josefa. Interessante que ninguém
tenha pensado em escalar uma lavadeira nordestina para o papel
da jovem mãe de cinco filhos, papel que Carolina Dieckman desempenha com leveza.
Viramos uma página de nossa
história. O que em anos passados
soava provocativo hoje aparece
como morno. A começar pelo uso
surrado do documentário.
Aguardamos a desenvoltura de
Suzana Vieira na segunda fase.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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