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LITERATURA
Obra poética mais extensa de Haroldo de Campos, escrita entre 1963 e 1973, é relançada pela editora 34
"Galáxias" é livro para ser "freqüentado"
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA
A obra poética mais extensa
de Haroldo de Campos, "Galáxias", que é, além disso, uma de
suas mais intensas, foi escrita entre 1963 e 1973 como (nas palavras
do autor) "uma insinuação épica
que se resolveu numa epifânica"
(o volume está sendo relançado
agora pela editora 34 e vem acompanhado do CD "Isto Não É um
Livro de Viagem").
Se, com essa afirmação, o poeta
revelava que, conforme se desenvolvia, uma intenção originalmente narrativa e linear se consolidara num conjunto lírico sem
verdadeiro começo nem fim e
com uma pluralidade de centros,
também vale a pena assinalar que
seu caráter de diário de bordo e de
livro de ensaios não apenas se
mantém integralmente como se
associa a um outro, o de um mar
de estórias e histórias.
O volume se compõe de 50 capítulos ou fragmentos vazados numa espécie de poesia em prosa
que não é, no entanto, uma prosa
comum, pois, mais do que um
mero discorrer enriquecido de recursos poéticos, cada qual deles se
apresenta como um único e vastíssimo verso hipermultissilábico
no qual as palavras e expressões
vão se formando a partir das anteriores e se dissolvendo nas seguintes.
E, embora os capítulos possam
ser lidos em qualquer ordem, eles
se iluminam uns aos outros, discutem entre si e convertem a coerência estilística em seu fio condutor.
O assunto ou tema de "Galáxias" se resume numa única palavra: tudo. O autor relembra,
exemplifica e discute o que leu,
viu, ouviu e viveu.
Num momento está falando do
romance escrito por uma dama
da corte no Japão medieval, em
outro, relata o encontro com um
poeta em alguma capital, num
terceiro transforma a teoria literária na personagem central de um
meta-conto de fadas ou de uma
fábula sobre o fabular. E assim
por diante. O apetite temático de
Haroldo de Campos era tamanho
que somente sua versatilidade
criativa conseguia dar conta de
tanta variedade.
A descrição acima talvez sugira
que a obra em questão é complicada e impenetrável. E sua leitura
sem dúvida requer um tipo diferente de esforço, só que menos
devido à aparente ilegibilidade do
que por causa de uma oralidade
que não raro se mostra hipnótica.
Tão logo internalize as convenções do texto, o leitor corre o risco
de ser levado por ele. A rigor, "Galáxias" não é um livro para ser lido, mas sim frequentado.
E tal frequentação se tornará
realmente recompensadora
quando o leitor perceber que
muito do que a princípio lhe parecia sério e complicado é, antes de
mais nada, cômico e satírico, pois
(algo que boa parte de seus críticos não entendeu até hoje) a poesia de Haroldo está carregada de
um humor peculiar. Os eruditismos, o uso de expressões arcaicas,
raras ou especializadas, a criação,
através da montagem, de novas
palavras eram para ele uma forma
extremamente lúdica de demonstrar quão maleável era sua matéria-prima verbal.
A satisfação que ele encontrava
em dobrá-la e desdobrá-la, em reformá-la e deformá-la a seu bel-prazer, era principalmente decorrência da liberdade e desenvoltura com que somente um poeta de
verdade é capaz de tratar sua própria língua.
GALÁXIAS. Autor: Haroldo de Campos.
Editora: 34. Quanto: R$ 45 (o volume vem
acompanhado do CD "Isto Não É um
Livro de Viagem").
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