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MÚSICA
Compositor acha que países como Alemanha, Inglaterra e Bélgica estão mais receptivos ao som brasileiro
Gil quer ganhar Europa pela 'periferia'
MARTA AVANCINI
de Paris
A música brasileira, ao lado das
outras músicas "periféricas", já
tem um espaço garantido no mercado europeu. Quem constata é
Gilberto Gil, que realiza, até o final
de julho, uma turnê pelo verão europeu pelo 19º ano consecutivo.
Ao longo desse período, o cantor
e compositor brasileiro observou
um crescimento da aceitação da
música brasileira, que ganhou
mercados, em tese, menos receptivos aos ritmos latinos, como a Alemanha, a Inglaterra e a Bélgica.
Leia, abaixo, trechos da entrevista que Gil concedeu à Folha, por
telefone, durante sua passagem
por Paris, onde ele fez show na última terça-feira.
Folha - Como é o show que você
está trazendo para a Europa?
Gilberto Gil - É basicamente o
mesmo que apresentei no Brasil
para lançar o disco "Quanta", só
que um pouco mais curto e com
algumas adaptações de repertório.
Como vou me apresentar em festivais (inclusive a 31ª edição do Festival de Jazz de Montreux), incluí
"Toda Menina Baiana", que faz
muito sucesso por aqui.
Folha - Você está realizando sua
19ª turnê consecutiva pela Europa.
Como é possível tal regularidade?
Gil - Faço isso porque gosto e
porque sou solicitado. Apesar de
ser corrido -é quase uma cidade
por dia-, essas viagens são oportunidade para um recolhimento.
Eu e a equipe viajamos em um ônibus nosso, que é quase um "mosteiro ambulante", porque encontro tempo para refletir. Aqui não
sou tão solicitado. Volto no ano
que vem, completo 20 turnês e talvez deixe de encarar essas viagens
como uma obrigação.
Folha - Houve evolução em termos da penetração da música brasileira na Europa nesse período?
Gil - Sim, eu acho que é possível
dizer isso. Nos últimos cinco anos
passou a ter mais regularidade de
demanda, inclusive em mercados
que eram menos receptivos, como
a Alemanha, a Bélgica e mesmo a
Inglaterra. Há muitos brasileiros
que vendem disco aqui, como Marisa Monte, João Bosco, Caetano,
Gil. Com isso, acabamos entrando
nas rádios. Não é nada estrondoso,
mas tem uma regularidade.
Folha - A que você atribui esse
processo? Você acha que é possível crescer ainda mais?
Gil - Crescer é complicado,
porque apesar da sedução exercida
pela música latina existem as forças do mercado, o marketing, o
apoio logístico, a MTV. Nisso, a
música americana é muito mais
forte. Mas a gente acaba entrando
junto com outras músicas "periféricas", como a cubana, a africana.
Folha - Mudando um pouco de
assunto, seu último disco traz uma
combinação de temas, que vão da
ciência ao sagrado. Como foi possível combinar essas dimensões?
Gil - Na minha obra existe uma
tradição desses temas. "Lunik 9",
"Refazenda", "Se Eu Quiser Falar
com Deus" já assinalam esses cruzamentos. Esse disco traduz um
pouco as inquietações desse final
de século em que está se questionando o determinismo e a visão
científica racional, fechada. Isso
vem desde os hippies, dos Beatles.
Quero usar o poder de sedução da
música para trazer essas questões à
tona. O disco suscitou debates em
universidades, e eu quero continuar com isso quando voltar ao
Brasil. É uma provocação.
Folha - A música vira, então, uma
forma de militância?
Gil - O poder de penetração da
música popular pode e deve ser
usado. No passado, ela foi usada
como meio de divulgação de mensagens políticas. O Brasil fez um
uso muito forte disso. Hoje em dia,
a música pode facilitar a divulgação de novas idéias.
Folha - No seu disco você faz homenagens a figuras importantes
da música brasileira (Mario Lago,
João Gilberto, Tom Jobim e Milton
Nascimento). Por quê?
Gil - São figuras que admiro e
que considero meus mestres.
Quanto a Milton, fiz uma homenagem a ele por meio de uma canção
que escrevi há 20 anos e recuperei
nos arquivos da Polygram. É uma
maneira de fazer um carinho público em um momento em que ele
está passando por uma fase difícil,
em que andou meio doentinho.
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