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Nunca mais seremos os campeões do mundo de 1950
ARNALDO JABOR
da Equipe de Articulistas
O pintor Antonio Peticov me
gelou a espinha ontem. Mandou-me o seguinte e-mail: "O
Brasil ganhou a Copa em 1994.
Antes disso, ganhou também
em 1970. Some 1970 com 1994 e
o resultado será 3964. A Argentina ganhou a Copa em 1986.
Antes disso, ganhou também
em 1978. Some 1986 com 1978 e
o resultado será 3964. A Alemanha ganhou a Copa pela última vez em 1990. Antes, ganhou também em 1974. Some
1990 com 1974 e o resultado será 3964. E, agora, aqui está o
que assusta. A Inglaterra ganhou a Copa em 1966. Some
1966 com 1998 e o resultado será 3964!".
Será que uma Fifa intemporal já traçou nosso destino de
derrotas? Sinto um frio na espinha, igual ao frio que senti
quando meu avô me levou ao
Maracanã pela primeira vez,
há muitos anos.
Todo mundo torcia e gritava,
e eu percebi, em pânico, que,
enquanto todo mundo olhava
o jogo, eu olhava os torcedores.
Tive um arrepio de horror.
"Sou louco?", pensei. "Por que
não estou vendo o jogo, como
todo mundo? Por que estou
olhando-os viver? Percebi que
minha entrada na vida seria
rala e difícil. Até hoje estou assim, "olhando os torcedores".
Futebol para mim sempre foi
um trauma. No colégio, aos
dez anos, fui agarrar no gol. A
bola entrou bem no cantinho
da trave e foi considerado
"frango" (a gíria era recentíssima). Caí na humilhante segunda divisão, composta de
gorduchos, pernas tortas, veados e babacas molengas. Eu
era comprido e trêmulo.
Depois, estou na praia da Urca, legendária arena de times
famosos: o Arsenal, o Lavaibola, o Ipiranga. Eu adorava o
Ipiranga. Nunca jogava, claro.
Ficava olhando. Faltou um jogador na hora da partida. "Dá
a camisa pra ele!", gritou o capitão. Todo orgulhoso, ostento
a camisa verde e vermelha e
chego a fazer umas embaixadas para esquentar. Silvinha,
na amurada, me olhava.
Quando vai começar o jogo,
chega o Ceará, dono da posição. "Tira a camisa", gritou o
capitão. Até hoje, sofro a dor
desse momento. Silvinha, pálida, fingiu que não viu meu fracasso. Eu, para me salvar, me
joguei ao mar e não sei se chorei debaixo d'água, pois o sal
de meus olhos se misturou com
a água da Urca.
Não me levaram ao famoso
Brasil x Uruguai em 50. Mas
me lembro de meu avô, chorando e dizendo: "Só se ouvia o
som dos pés das pessoas descendo as rampas. Ninguém falava. Só se ouviam os sapatos".
"O silêncio era ensurdecedor",
esse foi o oxímoro usado para
descrever aquele dia.
Meu amigo Paulo Perdigão,
escrevendo sobre esse dia terrível em seu livro "Anatomia de
uma Derrota", tem a tese de
que o Brasil seria outro país se
tivéssemos ganho "aquela" Copa, "naquele" ano. Talvez não
tivesse havido a morte de Getúlio nem a ditadura militar.
Eu penso como ele. Perdigão
acha (e eu também) que as outras Copas não chegaram a sarar as feridas daquele dia. A
vitória em 50 teria sido essencial para o progresso nacional.
Ele escreve: "Foi uma derrota
atribuída ao atraso do país e
que reavivou o tradicional pessimismo da ideologia nacional: éramos inferiores por um
destino ingrato. Tal certeza
acarretou nos brasileiros a angústia de sentir que a nação tinha morrido no gramado do
Maracanã...". E aí ele diz a frase rasgada de dor: "Nunca
mais seremos campeões do
mundo de 1950!".
A partir desse dia, associei
futebol e país, numa "tabelinha" histórica. As taças de 58 e
62 marcaram um momento de
abertura econômica e de progresso cultural jamais vistos.
JK, Brasília, bossa nova, cinema, teatro, reformas populares
em um país novo. Mas a esperança seria arrebentada em 64,
pelo golpe.
A Copa de 70 teve para mim
um sabor amargo e doce, que
fazia sorrir o ditador Médici,
legitimando a tortura e a morte de heróis. A taça de 70 foi
outro oxímoro: uma "alegria
dolorosa". Eu imaginava os
torturadores e seus torturados
no "pau-de-arara", todos torcendo pelo Brasil. A vitória em
70 veio animar o torto "milagre brasileiro", que nos mergulhou em buracos de dívidas
impagáveis.
Depois, vieram: a derrota das
eleições diretas, a morte de
Tancredo Neves, que teve o
mesmo gosto de absurdo do
Brasil x Uruguai; depois, os
"anos Sarney", quando parecia
que o Brasil nunca mais sairia
do buraco, descrente até mesmo da liberdade, com a falência do Estado e a descoberta de
que a "democracia real" não
existia dentro das instituições,
nos alicerces do país.
Depois desse período letárgico, com gosto de conto-do-vigário, os brasileiros deprimidos chamaram o "bonapartismo narcísico" de Collor para
"salvá-los" mais uma vez...
Acho até que Collor nos "ajudou" com seus erros, que foram
tantos, que nos acordaram do
fracasso passivo que já durava
havia 40 anos, desde a derrota
de 50.
O impeachment e os caras
pintadas foram o "trailer" da
vitória de 94, com o governo
FHC raiando com "novas palavras". Quase no mesmo mês,
derrotamos a inflação e viramos tetracampeões. Um novo
tempo estava começando!
Mas aí chego a hoje, dia em
que escrevo esta coluna, depois
do jogo Brasil x Chile. Vi o
quê? Vi uma vitória não merecida, com um time de craques
sem completar jogadas, com
uma trama de jogo hesitante.
Vi um time parecido com o
tempo político que estamos vivendo. Tudo para dar certo e
não dando, saídas esperançosas e frustrações imediatas,
falta de penetração, falta de
gols, um "bom senso" de classe
média de Zagallo, que tira o
brilho da coragem, jogadores
seduzidos pela economia global da Nike, como, aliás, o próprio país.
E aí um terceiro arrepio me
gela a espinha. E se não der
certo a idéia de país a que FHC
e o mundo nos levam? E se a
Inglaterra, com seus "hooligans", for campeã, como reza a
profecia de Peticov? Vejam:
1966 + 1998 = 3964.
Que quer dizer esse número
fatídico? Que destino nos está
reservado? Conseguiremos entrar no ano 2000 de cara nova?
Tenho medo que não. Talvez
nosso destino tenha sido traçado pelo gol de Ghiggia. Deus
nos proteja. Acho que nunca
mais seremos campeões do
mundo de 1950...
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