São Paulo, sábado, 30 de julho de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE Narrativa sutil dá profundidade à saga ambiciosa de Shamsie NOEMI JAFFE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA O calor da bomba de Nagasaki fez com que os pássaros do quimono que Hiroko Tanaka vestia ficassem grudados às suas costas. O resultado paradoxal do trauma vivido por ela, protagonista do romance de Kamila Shamsie, "Sombras Marcadas", são pássaros que não podem voar e que só podem representar o mal. E essa é a grande força desse romance/saga, que passa por Nagasaki, Nova Déli, Karachi e Nova York, cobrindo 60 anos de guerras. Tudo visto pelos olhos de Hiroko: o mal nunca cede e a narrativa não faz concessões ao desejo que o leitor acaba sempre alimentando de que as coisas finalmente sejam reparadas. Qualquer leitor atento sentirá o desejo de atirar-se para dentro da narração e mudar ao menos algumas terríveis coincidências. Hiroko, em Nagasaki, se apaixona por um alemão, Konrad, cuja meia-irmã mora na Índia, representando o governo britânico na colônia. Com a morte do Konrad, atingido pela bomba, ela parte para Nova Déli, onde se torna a melhor amiga de Elizabeth e se apaixona por Sajjad, um criado talentoso da casa, que lhe ensina a falar urdu. Após a saída dos ingleses da Índia, Hiroko e Sajjad vão morar em Karachi, no recém-formado Paquistão. Campos de refugiados, línguas multiplicadas, o exílio, os costumes indianos, um possível encontro com um líder que parece ser Bin Laden, a ajuda que os americanos forneceram aos afegãos contra a União Soviética. Tudo isso poderia ser componente de uma saga interessante, mas superficial pelo tamanho da ambição. Ao contrário, Shamsie, ao escolher narrar a história pelos olhos de Hiroko, uma personagem complexa e imprevisível, faz com que essa sequência descomunal de eventos históricos soe orgânica. Nada de metáforas melodramáticas, nenhum apelo além dos próprios fatos e uma sabedoria construída à custa de amargura. Num trecho do romance, Sajjad diz a Hiroko que conhece uma expressão em inglês sobre "deixar alguém a sós com a própria tristeza". Em urdu, ao contrário, existem os "ghum-khaur", ou "comedores de tristeza", que engolem a tristeza de alguém para diminuir sua dor. Ele pergunta a Hiroko se ela quer que ele seja inglês ou urdu. Talvez essa seja a pergunta que o romance faz ao leitor ocidental. SOMBRAS MARCADAS AUTORA Kamila Shamsie EDITORA Alfaguara TRADUÇÃO Débora Landsberg QUANTO R$ 54,90 (400 págs.) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica romance: Naturalismo limita prosa de Carrero Próximo Texto: Crítica correspondência: "Cartas Iluministas" ressalta ironia e contradições da vida do filósofo Voltaire Índice | Comunicar Erros |
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