São Paulo, Sexta-feira, 30 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GASTRONOMIA
Ainda os mangaritos

NINA HORTA
Colunista da Folha


E depois ainda dizem que o brasileiro não se interessa por suas raízes! Escrevi nesta página, no dia 2 de julho, uma pequena crônica sobre uma aracea tropical, o mangarito, uma batatinha parente do inhame.
João Luiz, provedor dos mangaritos que plantei, escreveu: "Coincidência extrema, (existe)? No mesmo dia de seu artigo, no caderno do ano 2000, da Folha, uma senhora de 95 anos, vivendo na casa de idosos da Lareira (SP), fala das perdas que o tempo traz. Entra elas, quem? O mangarito. Vou ver se o meu fornecedor de Ubatuba consegue alguns dedinhos e talvez você pudesse fazer um guisado para a citada senhora, que já considero candidata à sopa prometida para o ano 2000".
João Luiz Cardoso, botânico amador, foi você o culpado! Minha casa virou a Bolsa de Valores, a "Bolsa do Mercado Futuro do Mangarito". Se houvessem posto meu e-mail naquela crônica eu já estaria submergida no mangarito, em touças como junças, como diz o Gabriel Soares.
Todo mundo teve um mangarito na infância. Glorinha Baumgart suspirava por eles há mais de quarenta anos, e quando uma mulher fala "há quarenta anos", é porque o desejo é maior que a vaidade. Sua mãe os comprava na feira da alameda Lorena e servia quentes com manteiga salgada. Uumm...
Wladmir, de Taubaté, afirma ter mandado um saco de mangaritos para a Folha. Imagino o susto de Vicentina, a encarregada da correspondência, com todos aqueles bulbos cheios de terra nas raízes. E a redação tão jovem e urbana jamais terá visto um mangarito, ou mesmo terra...
A velha senhora que aparece no jornal (coincidências existem) é mãe de amiga minha, e jamais imaginei que chorasse por mangaritos da infância. Se chegarem aqui, faço a sopa dela e divido irmamente com Gloria, que quer plantá-los na fazenda. Já imagino as gôndolas dos supermercados se curvando ao peso dos mangaritos.
Pois não é que chegou mesmo uma caixa muito bem acondicionada pelo DHL, junto com uma carta deliciosa e uma receita de frango? Tudo por causa das lembranças que invadiram Wladmir de Taubaté. Lembrou de suã, de paçoca de carne de boi mais carne de porco com farinha de monjolo (de milho). E frango caipira cozido com sangue.... Dá uma explicação paralela. "Meu avô tinha um jeito todo especial para matar frango ou galinha, que naturalmente era minha mãe que limpava. Ele o pegava pela cabeça e girava o corpo do coitado por três vezes, depois pendurava-o de cabeça para baixo para que o sangue descesse." Pelo jeito de escrever, parece que ele se envergonha um pouco da marvadeza do avô. Mas Wladmir, como você queria que fosse se não existiam frangos congelados de supermercados?
Dario Irineu André, professor e fabricante de cerveja artesanal (tel. 0/xx/11/6121-0716 ou 0/xx/ 11/6965-1507, São Paulo), conta que assina a Folha há 51 anos e, quando foi à redação contar de sua escola, pensou que seria reconhecido e aceito de braços abertos, afinal, 51 anos... Ficou foi vagando pelos corredores feito alma penada, jogado de lá para cá. Pois bem. Ele se lembra, em Rio Claro, do João Gritador, que saía nas ruas -"Olha o cará, olha o mangarito!". Subia na carroça e ia junto ajudando a vender. Muitas vezes, seguia até o mangarital para aprender a plantar e colher.
Márcia de Marchi, de Botucatu, também tem saudades e me consola . Diz que por mais que eu afofe a terra não vou conseguir 300 batatas num pé só.
E Mimi, filha da velha senhora, que se bem conheço nunca viu um mangarito e nem quer ver, me mandou um livro da mãe por causa do prólogo, que achou interessante. "A Dona de Casa, Verdadeira Doceira Nacional", sem data. Autora, uma senhora paulista.
Para resumir, a senhora paulista exorta as mulheres a fazerem doces deliciosos para os maridos, com suas graciosas mãos. "Vossos maridos esquecerão o peso do trabalho, ficarão cativos de vossos carinhos e nas vossas casas haverão (sic) paz, harmonia e bem estar. Será um céu aberto." Pois é, Mimi, éramos assim no tempo dos mangaritos... Será que um dia, com nossos esforços conjuntos, ainda ressuscitam, e com eles haverão paz, harmonia e céus abertos? Será? E-mail: ninahort@uol.com.br


Texto Anterior: Palestra: Vito Acconci discute arte pública em SP
Próximo Texto: Mundo de Baco - Jorge Carrara: Nova importadora frutifica safra neozelandesa
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.