|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GASTRONOMIA
Ainda os mangaritos
NINA HORTA
Colunista da Folha
E depois ainda dizem que o brasileiro não se interessa por suas
raízes! Escrevi nesta página, no
dia 2 de julho, uma pequena crônica sobre uma aracea tropical, o
mangarito, uma batatinha parente do inhame.
João Luiz, provedor dos mangaritos que plantei, escreveu: "Coincidência extrema, (existe)? No
mesmo dia de seu artigo, no caderno do ano 2000, da Folha, uma
senhora de 95 anos, vivendo na
casa de idosos da Lareira (SP), fala
das perdas que o tempo traz. Entra elas, quem? O mangarito. Vou
ver se o meu fornecedor de Ubatuba consegue alguns dedinhos e
talvez você pudesse fazer um guisado para a citada senhora, que já
considero candidata à sopa prometida para o ano 2000".
João Luiz Cardoso, botânico
amador, foi você o culpado! Minha casa virou a Bolsa de Valores,
a "Bolsa do Mercado Futuro do
Mangarito". Se houvessem posto
meu e-mail naquela crônica eu já
estaria submergida no mangarito,
em touças como junças, como diz
o Gabriel Soares.
Todo mundo teve um mangarito na infância. Glorinha
Baumgart suspirava por eles há mais de
quarenta anos, e quando uma
mulher fala "há quarenta anos", é
porque o desejo é maior que a vaidade. Sua mãe os comprava na
feira da alameda Lorena e servia
quentes com manteiga salgada.
Uumm...
Wladmir, de Taubaté, afirma ter
mandado um saco de mangaritos
para a Folha. Imagino o susto de
Vicentina, a encarregada da correspondência, com todos aqueles
bulbos cheios de terra nas raízes.
E a redação tão jovem e urbana
jamais terá visto um mangarito, ou mesmo terra...
A velha senhora que
aparece no jornal
(coincidências
existem) é mãe
de amiga minha, e jamais imaginei que
chorasse por
mangaritos da
infância. Se
chegarem
aqui, faço
a sopa
dela e divido irmamente
com Gloria,
que quer plantá-los na fazenda. Já
imagino as gôndolas
dos supermercados se
curvando ao peso dos mangaritos.
Pois não é que chegou mesmo
uma caixa muito bem acondicionada pelo DHL, junto com
uma carta deliciosa e uma receita de frango?
Tudo por causa
das
lembranças
que
invadiram Wladmir de Taubaté. Lembrou de suã,
de paçoca de carne de
boi mais carne de
porco com farinha de
monjolo (de milho).
E frango caipira cozido com sangue.... Dá
uma explicação paralela. "Meu avô tinha um jeito todo especial para matar
frango ou galinha,
que naturalmente
era minha mãe
que limpava.
Ele o pegava pela
cabeça e girava o
corpo
do coitado
por três vezes,
depois pendurava-o de
cabeça para baixo para que o
sangue descesse." Pelo jeito de escrever, parece que ele se envergonha um pouco da marvadeza do
avô. Mas Wladmir, como você
queria que fosse se não existiam
frangos congelados de supermercados?
Dario Irineu André, professor e
fabricante de cerveja artesanal
(tel. 0/xx/11/6121-0716 ou 0/xx/
11/6965-1507, São Paulo), conta
que assina a Folha há 51 anos e,
quando foi à redação contar de
sua escola, pensou que seria reconhecido e aceito de braços abertos, afinal, 51 anos... Ficou foi vagando pelos corredores feito alma
penada, jogado de lá para cá. Pois
bem. Ele se lembra, em Rio Claro,
do João Gritador, que saía nas
ruas -"Olha o cará,
olha o mangarito!". Subia
na carroça
e ia junto
ajudando a
vender. Muitas vezes, seguia até o mangarital para
aprender a plantar e colher.
Márcia de
Marchi, de Botucatu,
também tem
saudades e me
consola . Diz que
por mais que eu
afofe a terra não vou conseguir 300 batatas num pé só.
E Mimi, filha da velha
senhora, que se bem
conheço nunca viu
um mangarito e
nem quer ver,
me mandou
um livro da
mãe por causa
do prólogo,
que achou interessante. "A
Dona de Casa,
Verdadeira
Doceira Nacional", sem
data. Autora,
uma senhora paulista.
Para resumir, a senhora paulista
exorta as mulheres a fazerem doces deliciosos para os maridos,
com suas graciosas mãos. "Vossos maridos esquecerão o peso do
trabalho, ficarão cativos de vossos
carinhos e nas vossas casas haverão (sic) paz, harmonia e bem estar. Será um céu aberto." Pois é,
Mimi, éramos assim no tempo
dos mangaritos... Será que um
dia, com nossos esforços conjuntos, ainda ressuscitam, e com eles
haverão paz, harmonia e céus
abertos? Será?
E-mail: ninahort@uol.com.br
Texto Anterior: Palestra: Vito Acconci discute arte pública em SP Próximo Texto: Mundo de Baco - Jorge Carrara: Nova importadora frutifica safra neozelandesa Índice
|