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São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2003

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LIVRO/LANÇAMENTO

Segmento dominado por mulheres como Alexandra Marínina se destaca na Feira de Frankfurt, em outubro

Autoras fazem da Rússia caso de polícia

CYNARA MENEZES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Certamente é de clássicos como Dostoiévski ou Tolstói o mérito da escolha da Rússia como país homenageado pela Feira de Frankfurt, em outubro, pela primeira vez em 55 anos, mas as estrelas serão os autores de histórias policiais. Ou melhor, autoras, já que o principal filão da literatura russa pós-comunismo é um segmento dominado por mulheres.
Nomes como o de Darya Donzova e Polina Dashkova são, além de difíceis de digitar de forma correta, totalmente desconhecidos por aqui. Já na programação da feira, elas aparecem como duas das maiores atrações entre os cem russos convidados, ao lado de Alexandra Marínina, uma criminologista aposentada, fumante e workaholic, autora de 22 livros, que venderam, segundo ela diz, cerca de 30 milhões de exemplares em mais de dez países.
Marínina, 46, acaba de lançar seu primeiro livro no Brasil, "A Face Radiante da Morte", e logo será inevitável ouvir falar dela, porque só vende suas obras em pacotes de cinco romances, ou seja, outros quatro já estão à espera. Todos têm como protagonista a detetive Anastasia (ou Nástia) Kamênskaya, espécie de alter ego da autora, que criou ainda um segundo espelho de si própria enquanto escritora nas tramas: a "Agatha Christie russa" (epíteto dado frequentemente a Marínina) Tatiana Tomílina, ex-policial que escreve histórias de detetive.

Folha - A sra. acha que muitas pessoas lêem seus livros também pela curiosidade em saber como é a sociedade russa atualmente?
Alexandra Marínina -
Sim, a vida na Rússia atual interessa muito a meus leitores estrangeiros, e, se as passagens reais forem descritas de forma envolvente, a leitura proporciona mais prazer do que a linguagem seca dos jornais.

Folha - Em sua opinião, o que ficou do período soviético na sociedade russa?
Marínina -
Não restou muito, mas um costume permanece inabalável: "Se você me respeita, deve beber comigo". O homem que recusa um copo provoca hostilidade e suspeitas. Pessoalmente, não endosso esse ritual. Outro traço que ficou é a convicção de que o marido deve sustentar a família e ganhar mais que a mulher. Se a mulher ganha mais, o cônjuge começa a se sentir inválido.

Folha - Como a sra. vê o avanço da religião na Rússia pós-comunista, também abordado parcialmente em seu livro?
Marínina -
Sou favorável, porque a religião é uma concepção de mundo que na época soviética fomos impossibilitados de conhecer -e de avaliar, individualmente, se nos convinha ou não. O Setor Ideológico do Comitê Central do Partido Comunista determinava nosso modo de pensar, nossos gostos e opiniões. Hoje, na Rússia, as pessoas têm ao menos uma oportunidade de escolha.

Folha - O livro mostra, de um lado, policiais e cidadãos comuns em carros nacionais caindo aos pedaços; de outro, suspeitos em automóveis importados último tipo. A guerra de classes continua?
Marínina -
O que temos é uma guerra pela sobrevivência. Os mais pobres não queimam as casas dos ricos, nem destroem seus carros, apenas invejam os mais bem-sucedidos, acreditando sinceramente que a vida lhes é injusta. Apesar dos reais problemas sociais, há outros fatores envolvidos, de natureza mais psicológica. Por exemplo: temos constantes ofertas de emprego com salários suficientes para sustentar uma família. Muitos desempregados, porém, consideram os cargos oferecidos indecentes, por terem formação superior, são historiadores, filólogos, sociólogos.

Folha - A sra. se interessa por política? Como avalia a situação na Rússia hoje?
Marínina -
Não me interesso muito por política e não discuto questões dessa natureza com ninguém. Mas acho que hoje a situação na Rússia está muito, muito melhor. Há mais oportunidades de modo geral. Cada um tem autonomia para construir sua vida do modo que quiser; e, como é sabido, não existe coisa mais valiosa no mundo que a liberdade.


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