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LIVRO/LANÇAMENTO
Segmento dominado por mulheres como Alexandra Marínina se destaca na Feira de Frankfurt, em outubro
Autoras fazem da Rússia caso de polícia
CYNARA MENEZES
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Certamente é de clássicos como
Dostoiévski ou Tolstói o mérito
da escolha da Rússia como país
homenageado pela Feira de
Frankfurt, em outubro, pela primeira vez em 55 anos, mas as estrelas serão os autores de histórias
policiais. Ou melhor, autoras, já
que o principal filão da literatura
russa pós-comunismo é um segmento dominado por mulheres.
Nomes como o de Darya Donzova e Polina Dashkova são, além
de difíceis de digitar de forma correta, totalmente desconhecidos
por aqui. Já na programação da
feira, elas aparecem como duas
das maiores atrações entre os cem
russos convidados, ao lado de
Alexandra Marínina, uma criminologista aposentada, fumante e
workaholic, autora de 22 livros,
que venderam, segundo ela diz,
cerca de 30 milhões de exemplares em mais de dez países.
Marínina, 46, acaba de lançar
seu primeiro livro no Brasil, "A
Face Radiante da Morte", e logo
será inevitável ouvir falar dela,
porque só vende suas obras em
pacotes de cinco romances, ou seja, outros quatro já estão à espera.
Todos têm como protagonista a
detetive Anastasia (ou Nástia) Kamênskaya, espécie de alter ego da
autora, que criou ainda um segundo espelho de si própria enquanto escritora nas tramas: a
"Agatha Christie russa" (epíteto
dado frequentemente a Marínina) Tatiana Tomílina, ex-policial
que escreve histórias de detetive.
Folha - A sra. acha que muitas
pessoas lêem seus livros também
pela curiosidade em saber como é a
sociedade russa atualmente?
Alexandra Marínina - Sim, a vida
na Rússia atual interessa muito a
meus leitores estrangeiros, e, se as
passagens reais forem descritas de
forma envolvente, a leitura proporciona mais prazer do que a linguagem seca dos jornais.
Folha - Em sua opinião, o que ficou do período soviético na sociedade russa?
Marínina - Não restou muito,
mas um costume permanece inabalável: "Se você me respeita, deve beber comigo". O homem que
recusa um copo provoca hostilidade e suspeitas. Pessoalmente,
não endosso esse ritual. Outro
traço que ficou é a convicção de
que o marido deve sustentar a família e ganhar mais que a mulher.
Se a mulher ganha mais, o cônjuge começa a se sentir inválido.
Folha - Como a sra. vê o avanço da
religião na Rússia pós-comunista,
também abordado parcialmente
em seu livro?
Marínina - Sou favorável, porque
a religião é uma concepção de
mundo que na época soviética fomos impossibilitados de conhecer -e de avaliar, individualmente, se nos convinha ou não. O
Setor Ideológico do Comitê Central do Partido Comunista determinava nosso modo de pensar,
nossos gostos e opiniões. Hoje, na
Rússia, as pessoas têm ao menos
uma oportunidade de escolha.
Folha - O livro mostra, de um lado,
policiais e cidadãos comuns em carros nacionais caindo aos pedaços;
de outro, suspeitos em automóveis
importados último tipo. A guerra de
classes continua?
Marínina - O que temos é uma
guerra pela sobrevivência. Os
mais pobres não queimam as casas dos ricos, nem destroem seus
carros, apenas invejam os mais
bem-sucedidos, acreditando sinceramente que a vida lhes é injusta. Apesar dos reais problemas sociais, há outros fatores envolvidos, de natureza mais psicológica.
Por exemplo: temos constantes
ofertas de emprego com salários
suficientes para sustentar uma família. Muitos desempregados,
porém, consideram os cargos oferecidos indecentes, por terem formação superior, são historiadores, filólogos, sociólogos.
Folha - A sra. se interessa por política? Como avalia a situação na
Rússia hoje?
Marínina - Não me interesso
muito por política e não discuto
questões dessa natureza com ninguém. Mas acho que hoje a situação na Rússia está muito, muito
melhor. Há mais oportunidades
de modo geral. Cada um tem autonomia para construir sua vida
do modo que quiser; e, como é sabido, não existe coisa mais valiosa
no mundo que a liberdade.
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