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MÚSICA ERUDITA
A espantosa surpresa de Bruckner e o surpreendente espanto de Villa
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Foi tanta música boa em duas
semanas que não há como
dar conta. Pode-se começar comendo a língua: Roberto Minczuk estava certo, e todos nós, antibruckerianos, não tínhamos idéia
do que é uma peça como a "Sinfonia nš 7", que ele regeu na quinta
retrasada. Bruckner (1824-96) é
um espanto. Ou melhor: o Bruckner de Minczuk é um espanto e foi
o ponto alto de uma quinzena só
de maravilhas.
Em janeiro, Minczuk regeu a
mesma peça em Viena, com a orquestra Tonkünstler. Lá como cá,
regeu de memória os 65 minutos
de música; mas isso, em si, não seria gênio, seria só uma proeza. Gênio é fazer de Bruckner algo muito maior do que jamais se imaginou na música do provinciano organista da Áustria. Depois desse
concerto, quem diria?, Bruckner
vira uma necessidade na vida.
Tecnicamente, o que mais causou impressão foram coisas como
o domínio das dinâmicas e a intensidade das cordas. E os corais
dos metais, com destaque para as
quatro tubas wagnerianas (que
têm um som todo seu).
A sensação que se tinha, na saída, era a de ter assistido ao melhor
concerto do ano. Se não dá para
fazer esse juízo ainda, é porque há
muito ano pela frente, incluindo a
turnê européia da orquestra (dois
concertos na Alemanha, cinco na
Suíça, em fins de outubro).
Antecipando um dos programas de lá, John Neschling regeu
anteontem "O Mandarim Maravilhoso" de Béla Bartók (1881-1945) e o "Concerto nš 2" para
piano e orquestra de Villa-Lobos
(1887-1959), com o solista Jean-Louis Steuerman.
A estréia do "Mandarim" em
Colônia, em 1926, deixou indignado o prefeito (e futuro chanceler da Alemanha) Konrad Adenauer. Mas Adenauer era um democrata-cristão conservador, e
sua indignação soa pitoresca hoje.
A música não tem nada de pitoresco: é uma obra-prima do século 20, e cai naquela faixa do repertório que Neschling rege melhor
do que tudo.
Esfalfou-se no pódio, mas valeu
a pena. Se a Osesp tocar assim em
Genebra, vai causar sensação.
Maior ainda no Villa-Lobos, um
desconhecido também por aqui,
onde mal se começa a entender
sua música. Mal se começa a escutar -porque o que se escutava até
aqui não valeu. Tocada nesse grau
de excelência, sua arte ganha outra dimensão. Exemplo pontual: o
contraponto dos trombones, enquanto as cordas trabalham o tema do primeiro movimento. Dois
planos separados, numa geografia própria, cenário raro para a entrada do piano em acordes.
O Steinway da Sala São Paulo
pode não gostar de Nelson Freire,
mas como gosta de Steuerman!
Os dois juntos fizeram um Villa-Lobos gigantesco, expansivo, arrojado. O "Lento" ficará na cabeça da gente: música que inventa
um país. Sem maneirismo, sem
amazonismo, sem carioquizar
nada. Steuerman achou um registro inusitado lá dentro das brumas, profundezas antigas e novas.
Antes de terminar: a loiraça russa Valentina Lisitsa tocou um eletrizante "Concerto nš 2" de Shostakovich (1906-75) na semana
passada com Minczuk. Neschling
fez uma linda "Quinta Sinfonia"
de Sibelius (1865-1957); final apoteótico, a roda do tema girando
no glorioso mi bemol. Música suficiente para sustentar a roda da
vida por mais duas semanas, girando na afrontosa paulicéia.
Osesp
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, tel. 3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 16 a R$ 38
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