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Comentário
Em cenário de montanhas, Chico é "cada vez mais músico"
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Como é possível cantar
as montanhas? "É assim como se o ritmo do
nada fosse, sim, todos os ritmos
por dentro. Ou então como
uma música parada sobre uma
montanha em movimento." É
assim que as montanhas cantam no novo show de Chico,
"Carioca". E um poema-partitura de Villa-Lobos se estende
sobre sua sombra móvel, que
abre o show cantando "Voltei a
Cantar", de Lamartine Babo.
Na tela lê-se "Barros e mais
barros. Terra e mar-ina", homenagem de Villa-Lobos a Jayme e Marina de Barros, tios de
Hélio Eichbauer, autor do cenário da histórica montagem
do Oficina de "O Rei da Vela" e
que idealizou o cenário de "Carioca" a partir de um livro de
autógrafos de sua família.
E é mesmo no barro e do barro, mistura de mar e de terra,
que Chico cria o asfalto de mais
uma das cidades que ele gosta
de inventar. Ou a cidade imaginada nas telas de cinema, onde
passam atrizes que não olham
para nós. No fundo, tanto a cidade real como aquela que sonhamos se confundem, e a cidade cantada em "Carioca" é o
Rio de Janeiro mas é também
de uma geografia estranha, onde montanhas se movem e moças passam leves e desdenhosas. É também nessa cidade que
o Cristo dá as costas a Maré,
Madureira, Pilares, Inhaúma, e
o cenário então gira, dando as
costas para nós.
Mulheres que passam, o
Cristo que dá as costas, sonhos
não realizados e, mesmo assim,
de minha pergunta sobre uma
incontornável melancolia de
suas canções, Chico discorda.
Mas creio que minha insistência não seja gratuita. Apesar de
dizer, na entrevista, que se
"considera cada vez mais músico" e que não acha que a música
seja superior às palavras, é reconhecível no novo CD um desejo de encontrar um lugar
aquém das palavras, onde elas
possam não pesar demais para
alguém que as domina tanto.
Quando ele pede à periferia
do Rio que desbanque a outra
língua, "a tal que abusa de ser
tão maravilhosa"; quando ele
sonha que um passarinho espanhol pudesse cantar; quando
faz o elogio ao rato; quando
contempla, perplexo, as musas
do cinema ou a estudante de cinema; quando canta a impossibilidade da coincidência dos
tempos do amor em "Bolero
Blues" e, dessa forma, em todas
as outras letras do disco, e
quando, principalmente, ele se
revela como grande músico, em
melodias enviesadas e difíceis,
Chico se afirma como um "antimercador de simpatias", como
disse na entrevista. Mas também, sinto, como um cantor para quem, à maneira de Drummond, as palavras pesam e o resultado é sim, melancólico.
Viva a melancolia!
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