São Paulo, quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/dança/"Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã"

Pina Bausch faz dança de luz e trevas

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Fundo, laterais e teto brancos. Nenhum adereço. No centro, ao fundo, uma enorme janela escura.
"Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã" (2002), de Pina Bausch, joga nesse espaço todo um complexo teatro dançado de verdades, centrado na alegria como forma absoluta de resistência humana.
A peça é dividida em duas partes. Se a primeira exprime abertamente essa alegria, em contraponto com formas variadas de humor e esperança, na segunda aparece com mais força a irracional angústia. Na primeira cena, dois homens sentam sobre uma mesa. Um se joga, subitamente, de lado, quase caindo de cabeça para baixo, até que o outro o segura pelo pé.
Este equilíbrio tenso de um corpo com outro se repete, de muitas formas, por um tempo.
A peça é feita de muitos solos em que os movimentos seguem os impulsos do corpo, deixando caminhos no ar. O ritmo da dança liga o inconsciente ao consciente, o racional ao irracional, frisando identidades sem caricatura. Ninguém, por exemplo, dança como a pequena Ditta Jasjfi, num limite único e indecrifrável, entre criança e mulher.
Aqui, como em geral nas peças de Bausch, as repetições de vinhetas (gestos, movimentos, palavras, música e sons) vão se acumulando e se transformando simultaneamente a outros acontecimentos. A fragmentação e a justaposição criam nexos novos a cada vez. Há cenas muito engraçadas, como a dos barbeiros e penteadeiras: bailarinos (e platéia) são penteados com escovas gigantes, enquanto um barbeiro conta casos sobre seu pai.
E essa graça muitas vezes se transforma em lirismo, como no solo de Lutz Förster, sem sair do lugar, ao som do "Leãozinho" de Caetano Veloso.
Vale ressaltar a trilha musical, que vai de Naná Vasconcelos a Nina Simone, do Uhuhboo Projetc (Coréia) a Prince, Guem e Gotan Project, com alguns momentos de grande expressão espalhados na atmosfera quase constante de um encantamento leve, música sem peso, sem dizer muito, mas sempre pouco acima do chão.
"Para as Crianças..." define para si uma metáfora, num dos textos que serviu de ponto de partida para a coreógrafa, um conto infantil sobre a origem dos morcegos (de Joseph Bruchac), lido integralmente em cena. O conto narra a história do Sol, que ficou preso numa árvore. Foi salvo por um esquilo, que nisso queimou o rabo e ficou cego. O Sol agradece concedendo a ele o dom de voar e ouvir sons. E assim nasceu o morcego, que voa no escuro.
Assim também termina a peça, com duas bailarinas dançando em alta velocidade, até que a luz cai em black-out. Elas permanecem dançando: no escuro, na memória, contra tudo, contra todos, para sempre.


PARA AS CRIANÇAS DE ONTEM, HOJE E AMANHÃ     
Quando: São Paulo, hoje, às 21h; sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; Porto Alegre, 7/9 e 8/9
Onde: Teatro Alfa (0/xx/11/5693-4000); Teatro do Sesi (0/xx/51/3347-8768)
Quanto: em SP, só restam ingressos de R$ 200; Porto Alegre, R$ 20


Texto Anterior: Marcelo Coelho: O homem que dizia não
Próximo Texto: Ex-babá demitida após depor à novela consegue emprego
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.