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Crítica/dança/"Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã"
Pina Bausch faz dança de luz e trevas
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Fundo, laterais e teto
brancos. Nenhum adereço. No centro, ao fundo, uma enorme janela escura.
"Para as Crianças de Ontem,
Hoje e Amanhã" (2002), de Pina Bausch, joga nesse espaço
todo um complexo teatro dançado de verdades, centrado na
alegria como forma absoluta de
resistência humana.
A peça é dividida em duas
partes. Se a primeira exprime
abertamente essa alegria, em
contraponto com formas variadas de humor e esperança, na
segunda aparece com mais força a irracional angústia. Na primeira cena, dois homens sentam sobre uma mesa. Um se joga, subitamente, de lado, quase
caindo de cabeça para baixo,
até que o outro o segura pelo pé.
Este equilíbrio tenso de um
corpo com outro se repete, de
muitas formas, por um tempo.
A peça é feita de muitos solos
em que os movimentos seguem
os impulsos do corpo, deixando
caminhos no ar. O ritmo da
dança liga o inconsciente ao
consciente, o racional ao irracional, frisando identidades
sem caricatura. Ninguém, por
exemplo, dança como a pequena Ditta Jasjfi, num limite único e indecrifrável, entre criança
e mulher.
Aqui, como em geral nas peças de Bausch, as repetições de
vinhetas (gestos, movimentos,
palavras, música e sons) vão se
acumulando e se transformando simultaneamente a outros
acontecimentos. A fragmentação e a justaposição criam nexos novos a cada vez.
Há cenas muito engraçadas,
como a dos barbeiros e penteadeiras: bailarinos (e platéia) são
penteados com escovas gigantes, enquanto um barbeiro conta casos sobre seu pai.
E essa
graça muitas vezes se transforma em lirismo, como no solo de
Lutz Förster, sem sair do lugar,
ao som do "Leãozinho" de Caetano Veloso.
Vale ressaltar a trilha musical, que vai de Naná Vasconcelos a Nina Simone, do Uhuhboo
Projetc (Coréia) a Prince,
Guem e Gotan Project, com alguns momentos de grande expressão espalhados na atmosfera quase constante de um encantamento leve, música sem
peso, sem dizer muito, mas
sempre pouco acima do chão.
"Para as Crianças..." define
para si uma metáfora, num dos
textos que serviu de ponto de
partida para a coreógrafa, um
conto infantil sobre a origem
dos morcegos (de Joseph Bruchac), lido integralmente em
cena. O conto narra a história
do Sol, que ficou preso numa
árvore. Foi salvo por um esquilo, que nisso queimou o rabo e
ficou cego. O Sol agradece concedendo a ele o dom de voar e
ouvir sons. E assim nasceu o
morcego, que voa no escuro.
Assim também termina a peça, com duas bailarinas dançando em alta velocidade, até
que a luz cai em black-out. Elas
permanecem dançando: no escuro, na memória, contra tudo,
contra todos, para sempre.
PARA AS CRIANÇAS DE ONTEM, HOJE E AMANHÃ
Quando: São Paulo, hoje, às 21h; sex. e
sáb., às 21h; dom., às 18h; Porto Alegre, 7/9 e 8/9
Onde: Teatro Alfa (0/xx/11/5693-4000); Teatro do Sesi (0/xx/51/3347-8768)
Quanto: em SP, só restam ingressos
de R$ 200; Porto Alegre, R$ 20
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