São Paulo, quinta-feira, 30 de agosto de 2007

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NINA HORTA

Terroir no computador

Leo McCloskey não concorda com essas fragrâncias e sabores especiais de capim pisado, ou terra fresca

JAMAIS DEIXEI de responder a um e-mail de leitor. Há não ser há uns dois meses, quando me perguntaram o que era terroir. Me deu uma preguiça...
Ao jogar fora velhas revistas do "New York Times", encantei-me com um nome sonoro que tocava castanholas na boca: Leo McCloskey. Trabalha numa companhia famosa de nome Enologix, que nada mais faz do que receber amostras de uvas de seus clientes e extrair seus sucos para medir alguns de seus compostos químicos.
Usa a mesma pontuação de Robert Parker, o guru mundial das notas, de propósito e do mesmo modo que ele aprecia os vinhos frutados, fortes, de intenso carvalho. Com toda a informação que tem, cria uma imagem digital da adega e consegue fazer hipóteses de qual seria o melhor vinho factível para aquela adega. Claro que há um mundaréu de gente que discorda dessa escola globalizante, em que, no fim, todos os vinhos se parecem. Reclamam da falta de taninos que dão o gosto próprio à medida que o vinho envelhece, mas que podem também fazê-lo amargo ou adstringente quando jovem. Esses vinhos não tem gosto de terroir, não têm uma distinção regional. McCloskey não dá a mínima, não concorda com essas fragrâncias e sabores especiais de capim pisado, ou terra fresca, ou marmelo maduro. Acha que no enorme mercado de vinhos de hoje só haveria o caos para os clientes na hora da compra. O que lhes interessa é saber se aquele vinho de US$ 100 vale isso mesmo.
O equivalente em uma casa seria saber o que há na geladeira e na despensa, o fogão e o tempo disponíveis, e clicar "menu". Apareceriam por ordem todas as receitas, quantidades da melhor comida possível naquelas circunstâncias e, apertando-se outro botão "upgrade", o que precisaríamos fazer para tornar aquela refeição inesquecível, como a de um Escoffier moderno.
A McCloskey interessa o consumidor de massa que quer um vinho redondo que desça gostoso pela goela, por um preço acessível. Os enófilos podem continuar girando seus copos no nariz e cuspindo, porque são os críticos que dão nota que vão influenciar qual o vinho que a massa deve comprar.
McCloskey, o de nome de castanholas, aos 25 anos já havia publicado novos métodos para medir o álcool e a fermentação malolática. (As duas essenciais à análise do vinho.)
"A ecologia química diz que o gosto de um vinho, a cor e a fragrância são a expressão de seu ecossistema", comenta McCloskey. "Os cientistas do vinho achavam que as uvas eram mais complexas que as outras plantas. Mas descobri que a "vitis vinifera" produz uma lista relativamente simples de sabores. As uvas, na realidade, são bem primitivas." McCloskey, a certa altura, percebeu que os críticos que davam as notas iriam ganhar a batalha porque os clientes não queriam comprar gato por lebre, e os produtores de vinho não estavam dando a informação necessária. Para mostrar sua credibilidade, analisou uma safra de Lafitte da década anterior, às cegas, e seu índice de qualidade espelhava exatamente a performance econômica dos vinhos daquela década.
O que McCloskey quer? "Meu objetivo é tornar meus clientes auto-suficientes, de modo que saibam resolver sozinhos todos os seus problemas com o método que tornarei disponível a eles."
Para isso, está compilando todo o seu conhecimento de vinhos. No futuro, tudo será transformado em programas de computadores manejados pelos próprios clientes.
Então, leitor, "terroir" era o gosto da terra. Demorei tanto para responder que virou um programa digital com dados como níveis de tanino e antocianinos, e você comprará o programa na esquina. Passe bem, não importa quem esteja atrás desses números, McCloskey, Parker. O terroir agora é seu.


ninahorta@uol.com.br

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