São Paulo, terça, 30 de setembro de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chaplin inspira terror de Mojica

José Mojica Marins, cineasta criador do personagem Zé do Caixão, fala à Folha sobre seu sucesso no exterior, dificuldades de filmar no Brasil e a tristeza dos olhos de Charles Chaplin

Otávio Dias de Oliveira/Folha Imagem
O cineasta José Mojica Marins, 62


ALAIN FRESNOT
especial para a Folha

José Mojica Marins, 62, criador do Zé do Caixão e diretor de inúmeros filmes dos mais variados gêneros, está em ótima forma à véspera de sua viagem à Europa.
Mojica tem muita história para contar e as conta com o estilo característico desse paulista da Aclimação com primário completo.
Felizmente, educação formal nada tem a ver com inteligência. José Mojica Marins é um mestre autodidata.
Se não consegue hoje condições de filmar no Brasil, é prova de quanto o cinema brasileiro é rico. Tão rico que pode desperdiçar um de seus melhores talentos.

Folha - Você está indo para a Europa. Fazer o quê?
José Mojica Marins -
Eu estou sendo homenageado, estou indo para a Itália, Festival de Rimini, depois para Barcelona. Nesse festival já ganhei vários prêmios, é só de terror. Depois Amsterdã, na Holanda. Há o interesse de palestras em faculdades de comunicação. Dar explicações sobre o nosso cinema, nosso cinema artesanal.
Folha - Como começou o interesse nos Estados Unidos e na Europa pelo seu trabalho?
Marins -
O Glauber dizia nos anos 60: "Daqui a 30 anos você será chamado de 'Coffin Joe'". De fato o cara acertou em cima. O Glauber me deu muita força em Paris. Ele me deu vários endereços. Quando eu fui para a Espanha, vários lugares me chamaram para filmar. Acabei não querendo fazer porque eu era ainda, sei lá, muito apegado às raízes aqui. Eu não aproveitei as oportunidades que ele me abriu. A partir de uma premiação, um jornalista, o André Barcinski, foi para os EUA, levando minha fita debaixo do braço, então fiquei sabendo que os americanos já estavam atrás de mim.
Folha - Por que você e o Ozualdo Candeias, dois diretores personalíssimos e geniais, têm tão pouco espaço de produção hoje?
Marins -
No final dos anos 60, a gente montava as produtoras, nascia a "Boca do Lixo". Era mais prático você negociar, a "Boca" estava cheia de distribuidores, e os exibidores vinham. A gente estava mais em contato com os caras. Era a maneira certa de você fazer filmes sem sair perdendo, isso até os grandes exibidores começarem a cortar os independentes.
Cortaram os exibidores independentes que tinham cinco, dez cinemas. Ou entravam na linha dos caras ou eram cortados, quer dizer, você não tinha saída. Eu fui um homem que lutou pelo Collor. Ele acabou com a cultura em geral, mas o cinema acabou mais.
Folha - Qual o primeiro filme que você se lembra de ter visto?
Marins -
A primeira vez que eu entrei no cinema fiquei assustado. Com quatro, cinco anos, eu subi na cabina e fui ver uma cena de doença venérea. Era para ensinar, eles mostravam doença porque tinha muita doença venérea e não tinha cura para nenhuma.
Era fita científica, era documentário. Aquilo pra mim era um terror, o primeiro impacto que eu tive no cinema foi de doenças venéreas, aquilo me impressionou.
Folha - Qual o primeiro filme de ficção, longa-metragem?
Marins -
Penso que foi "O Garoto", do Chaplin, e de terror ficou marcado "Torres de Londres", com Boris Karloff, acho que me impressionou. Há uma cena em que uma criança fica com a mão no portão e ele fecha o portão. Eu só me lembro dessa cena. Ela me marcou e marcou meu personagem. O Zé do Caixão protege muito as crianças.
Folha - Como foram suas primeiras experiências de produção?
Marins -
Quando eu completei nove anos, meu pai foi me dar uma bicicleta. Eu não queria bicicleta, eu quis a câmera de 8mm. Quando eu ganhei a câmera, fiquei doido.
Eu era muito badalado porque morava no cinema, e todo mundo me puxava o saco para entrar de graça. Eu falei: quero que vocês me arrumem um saco de vermes de goiaba. E eu fiz o meu juízo final da maneira quente, da minha visão.
As pessoas chamaram o padre, ele falou pro meu pai: seu filho sofre da cabeça. O velho não acreditou, me deu força.
Depois passei para o 16mm e a gente fazia o filme, montava, mas não sonorizava, ia para o interior. Eu projetava o filme e levava uma atriz, e íamos narrando e dublando ao vivo com um fundo musical. O pessoal achava fantástico.


Alain Fresnot é diretor de "Ed Mort".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.