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A BRUXA DE BLAIR
Medo de fechar os olhos
Medo de abrir os olhos
Divulgação
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A atriz Heather Donahue em cena do filme "A Bruxa de Blair" |
Vamos passear no bosque?
LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada
"Eu queria apenas pedir desculpa para a mãe de Josh. E para a
mãe de Mike. E para a minha
mãe. Eu sinto muito. A culpa foi
toda minha. Fui eu quem os trouxe para esse lugar. Fui eu quem falou "Temos de ir em frente, sem
desistir". Foi minha culpa, porque
o projeto era meu. Eu estou tão
apavorada. Eu não sei o que tem
lá fora. Nós vamos morrer lá fora.
Estou com muito medo."
Se você ainda não foi atingido
pelo fenômeno "The Blair Witch
Project", agora não tem para onde correr.
Considere-se avisado: o filme
chega hoje às telas das principais
capitais brasileiras, em estréia disfarçada de pré-estréia e travestido
pelo nome "A Bruxa de Blair".
Oficialmente, a estréia se dá mesmo amanhã, em 180 cinemas do
Brasil.
"A Bruxa de Blair" é o tal filminho independente americano que
custou míseros US$ 35 mil, mas
reduziu a pó o hype em torno do
extravagante "As Loucas Aventuras de James West", de US$ 170
milhões.
Que tem dois diretores e um
elenco dos quais ninguém nunca
ouviu falar, mas devido à demanda absurda expulsou a pomposa
prequela de "Star Wars" e seu poderoso elenco de substancial número de salas de exibição.
Que quando estava em apenas
um cinema do circuito alternativo
de Nova York e dois em Los Angeles chamava mais atenção do
que "De Olhos Bem Fechados", a
excelente obra-testamento de Kubrick, que estava por estrear.
Retomando, se você não foi
atingido pelo fenômeno "A Bruxa
de Blair", é porque esteve ausente
do noticiário cultural de jornais e
revistas do Brasil e do mundo.
Para os sintonizados nos andamentos do cinema contemporâneo, é quase impossível ainda não
ter visto a assustadora foto da garota com o olho arregalado, uma
lágrima caindo, um fundo escuro.
"A Bruxa de Blair" é uma produção barata sobre... bruxaria.
Perto dele, o cheio de efeitos "A
Casa Amaldiçoada", em cartaz,
apavora tanto quanto um programa dos Teletubbies.
A trama de "A Bruxa de Blair" é
a seguinte: três estudantes de cinema se embrenham em uma
mata chamada Black Hills, com o
intuito de filmar um documentário sobre uma lenda local, a história de uma certa bruxa que roubava as criancinhas da cidade de
Blair e as levava para um passeio
sem volta na floresta. Só que os estudantes desaparecem.
Um ano depois, no porão de
uma casa abandonada da região,
é encontrada uma sacola com o
material de filmagem dos estudantes, ao lado de suas duas câmeras (uma colorida, outra p&b)
e o gravador de áudio.
Neste material encontrado estão situações de terror dos estudantes na floresta, mostradas em
câmera subjetiva. E isso é o que se
vê em "A Bruxa de Blair", o filme.
Os ninguéns do filme são os diretores Daniel Myrick, 35, e
Eduardo Sanchez, 30, mais os atores Heather Donahue, Joshua
Leonard e Michael Williams, que
em "A Bruxa de Blair" usaram para os personagens seus nomes
verdadeiros. Tudo porque, desde
sua aparição, o filme posou de
"documentário real".
A verdade é que essa turma estava construindo a fama do assunto cinematográfico do ano, de
carreira impressionante dentro e
fora das telas, um esquema de autopublicidade de dar nó na cabeça
de experts em marketing, de fazer
os executivos de Hollywood engolirem em seco.
"A Bruxa de Blair" teve sua primeira exibição no festival de Sundance em janeiro, cercado de mistério sobre sua exibição e com
atores simplesmente não aparecendo nas entrevistas (previamente marcadas) para o festival.
Antes das três exibições do filme para poucos em Sundance,
seus diretores espalharam pela cidade de Park City folhetos contendo fotos dos três atores e um
anúncio acima: "Desaparecidos.
Qualquer informação, contatar a
polícia local no telefone tal".
Antes ainda, em junho de 98, os
diretores de "A Bruxa de Blair"
haviam criado um site na Internet
(www.blairwitch.com) com a história do desaparecimento dos estudantes, o material encontrado e
a lenda da bruxa. A história começava a se propagar.
Em Sundance, a distribuidora
Artisan se interessou pelo bafafá e
comprou o filme de imediato, por
US$ 1 milhão.
Até a estréia de "A Bruxa de
Blair", em apenas uma sala do circuito cultural de NY, a Artisan
não desembolsou um tostão com
propaganda de TV, rádio, outdoor para promover o filme. Três
dias depois, a produção chegava a
humildes 27 salas da América e a
distribuidora não se mexia.
A Artisan não precisava. O boca-a-boca fez o serviço e o mito do
filme cresceu de uma maneira
sem precedentes na história. Filas
monstruosas eram formadas em
Nova York (um cinema) e Los
Angeles (dois) para conseguir ingresso para as sessões não do dia,
esgotadas, mas para o que aparecesse para os dias seguintes.
Na Internet, no começo de
agosto, o site do filme já registrava
a impressionante marca de 21 milhões de consultas. Logo, o jornal
"USA Today" dava a capa de seu
caderno de turismo para uma
verdadeira romaria que invadia a
cidadezinha de Burkisttsville (ex-Blair), Maryland, 200 habitantes,
com uma horda de jovens sedentos para visitar o cemitério local.
Sem demora, armaram o que
seria uma "segunda estréia" do
filme, e "A Bruxa de Blair" pulou
para 1.101 salas no dia 1º de agosto, chegou aos US$ 50 milhões naquele fim-de-semana, desbancando a baba "Noiva em Fuga",
estrelada por Julia Roberts.
Mais? Três semanas depois, o
filme chegava a 2.538 salas da
América. A dimensão do sucesso
da produção indie se dá quando
se compara com "Star Wars - A
Ameaça Fantasma", que teve uma
bombástica estréia em 2.900 salas.
O medo de morrer é pior do
que morrer
"A Bruxa de Blair" vale o que
pesa, mas o filme cresce ainda
mais quando é associado à sua
história fora das telas. Seus assustadores momentos com sua assombrosa carreira de bastidores.
Ali, grudado na poltrona do cinema, é possível testemunhar o
resgate da fórmula de terror de "O
Iluminado", de Kubrick, ou de "O
Exorcista", de Friedkin. O medo
do desconhecido. Do que não se
vê ou do que se acha que vê.
"A Bruxa de Blair" é totalmente
não convencional. De maneira
tosca, câmeras tremendo, o filme
não mostra monstros, não é violento, não tem sexo, não espirra
na tela (quase) nenhuma gota de
sangue, não há tiros.
Há ainda a sacada de fazer do
cenário uma floresta. E aí "A Bruxa de Blair" dialoga com "A Morte do Demônio", de Sam Raimi.
Florestas são assustadoras. Já teve
a impressão de ver alguém escondido atrás de uma árvore? Já ouviu falar de espíritos balançando
galhos, de mortos enterrados sob
um monte de pedras? Dizem que
a série "Arquivo X" perdeu a graça depois que abandonou as florestas canadenses para ser filmado nos desertos da Califórnia.
O que é visto pelo público no cinema é rigorosamente o que os
atores estão vendo, pois as imagens saem das câmeras deles. Isso
faz "A Bruxa de Blair" parecer um
jogo de estratégia de CD-ROM. O
absurdo é quando se aproxima o
filme da idéia de um jogo de RPG.
Em "A Bruxa de Blair", os diretores soltaram os três atores na
floresta, com as câmeras, o gravador e um suprimento de comida.
Mas sem roteiro.
Sim, os atores foram largados
na floresta. Os diretores deram o
fora, ficavam escondidos, sem
aparecer. De vez em quando, deixavam as "orientações" em uma
caixa para cada ator, que não sabia o que o outro ia fazer ou dizer.
Diante da premissa do documentário "real", eram os próprios
atores que construíam os diálogos. Ainda sem o conhecimento
dos atores, Myrick e Sanchez surgiam de madrugada para deixar
objetos no caminho, interferindo
no cenário. Heather, Josh e Mike
acordavam e encontravam um
ambiente diferente do que eles
deixaram antes de dormir.
O resultado desse "game": mais
de 20 horas de filmagens. E é esse
material, editado em 81 minutos,
que chega agora ao Brasil.
A propósito, a frase que serve de
título para a capa da Ilustrada e a
que compõe o primeiro parágrafo
deste texto foram ditas pela garota Heather Donahue, no momento mais cavernoso do filme.
"A Bruxa de Blair" está aí. Dá
para ter uma idéia do que está te
esperando?
Avaliação:
Filme: A Bruxa de Blair
Produção: EUA, 1999, 81 min.
Diretor: Daniel Myrick e Eduardo Sanchez
Com: Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael Williams
Quando: pré-estréia nacional hoje; estréia oficial amanhã em 180 cinemas
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