São Paulo, Quinta-feira, 30 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A BRUXA DE BLAIR

Medo de fechar os olhos
Medo de abrir os olhos

Divulgação
A atriz Heather Donahue em cena do filme "A Bruxa de Blair"


Vamos passear no bosque?

LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada

"Eu queria apenas pedir desculpa para a mãe de Josh. E para a mãe de Mike. E para a minha mãe. Eu sinto muito. A culpa foi toda minha. Fui eu quem os trouxe para esse lugar. Fui eu quem falou "Temos de ir em frente, sem desistir". Foi minha culpa, porque o projeto era meu. Eu estou tão apavorada. Eu não sei o que tem lá fora. Nós vamos morrer lá fora. Estou com muito medo."
Se você ainda não foi atingido pelo fenômeno "The Blair Witch Project", agora não tem para onde correr.
Considere-se avisado: o filme chega hoje às telas das principais capitais brasileiras, em estréia disfarçada de pré-estréia e travestido pelo nome "A Bruxa de Blair". Oficialmente, a estréia se dá mesmo amanhã, em 180 cinemas do Brasil.
"A Bruxa de Blair" é o tal filminho independente americano que custou míseros US$ 35 mil, mas reduziu a pó o hype em torno do extravagante "As Loucas Aventuras de James West", de US$ 170 milhões.
Que tem dois diretores e um elenco dos quais ninguém nunca ouviu falar, mas devido à demanda absurda expulsou a pomposa prequela de "Star Wars" e seu poderoso elenco de substancial número de salas de exibição.
Que quando estava em apenas um cinema do circuito alternativo de Nova York e dois em Los Angeles chamava mais atenção do que "De Olhos Bem Fechados", a excelente obra-testamento de Kubrick, que estava por estrear.
Retomando, se você não foi atingido pelo fenômeno "A Bruxa de Blair", é porque esteve ausente do noticiário cultural de jornais e revistas do Brasil e do mundo.
Para os sintonizados nos andamentos do cinema contemporâneo, é quase impossível ainda não ter visto a assustadora foto da garota com o olho arregalado, uma lágrima caindo, um fundo escuro.
"A Bruxa de Blair" é uma produção barata sobre... bruxaria. Perto dele, o cheio de efeitos "A Casa Amaldiçoada", em cartaz, apavora tanto quanto um programa dos Teletubbies.
A trama de "A Bruxa de Blair" é a seguinte: três estudantes de cinema se embrenham em uma mata chamada Black Hills, com o intuito de filmar um documentário sobre uma lenda local, a história de uma certa bruxa que roubava as criancinhas da cidade de Blair e as levava para um passeio sem volta na floresta. Só que os estudantes desaparecem.
Um ano depois, no porão de uma casa abandonada da região, é encontrada uma sacola com o material de filmagem dos estudantes, ao lado de suas duas câmeras (uma colorida, outra p&b) e o gravador de áudio.
Neste material encontrado estão situações de terror dos estudantes na floresta, mostradas em câmera subjetiva. E isso é o que se vê em "A Bruxa de Blair", o filme.
Os ninguéns do filme são os diretores Daniel Myrick, 35, e Eduardo Sanchez, 30, mais os atores Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael Williams, que em "A Bruxa de Blair" usaram para os personagens seus nomes verdadeiros. Tudo porque, desde sua aparição, o filme posou de "documentário real".
A verdade é que essa turma estava construindo a fama do assunto cinematográfico do ano, de carreira impressionante dentro e fora das telas, um esquema de autopublicidade de dar nó na cabeça de experts em marketing, de fazer os executivos de Hollywood engolirem em seco.
"A Bruxa de Blair" teve sua primeira exibição no festival de Sundance em janeiro, cercado de mistério sobre sua exibição e com atores simplesmente não aparecendo nas entrevistas (previamente marcadas) para o festival.
Antes das três exibições do filme para poucos em Sundance, seus diretores espalharam pela cidade de Park City folhetos contendo fotos dos três atores e um anúncio acima: "Desaparecidos. Qualquer informação, contatar a polícia local no telefone tal".
Antes ainda, em junho de 98, os diretores de "A Bruxa de Blair" haviam criado um site na Internet (www.blairwitch.com) com a história do desaparecimento dos estudantes, o material encontrado e a lenda da bruxa. A história começava a se propagar.
Em Sundance, a distribuidora Artisan se interessou pelo bafafá e comprou o filme de imediato, por US$ 1 milhão.
Até a estréia de "A Bruxa de Blair", em apenas uma sala do circuito cultural de NY, a Artisan não desembolsou um tostão com propaganda de TV, rádio, outdoor para promover o filme. Três dias depois, a produção chegava a humildes 27 salas da América e a distribuidora não se mexia.
A Artisan não precisava. O boca-a-boca fez o serviço e o mito do filme cresceu de uma maneira sem precedentes na história. Filas monstruosas eram formadas em Nova York (um cinema) e Los Angeles (dois) para conseguir ingresso para as sessões não do dia, esgotadas, mas para o que aparecesse para os dias seguintes.
Na Internet, no começo de agosto, o site do filme já registrava a impressionante marca de 21 milhões de consultas. Logo, o jornal "USA Today" dava a capa de seu caderno de turismo para uma verdadeira romaria que invadia a cidadezinha de Burkisttsville (ex-Blair), Maryland, 200 habitantes, com uma horda de jovens sedentos para visitar o cemitério local.
Sem demora, armaram o que seria uma "segunda estréia" do filme, e "A Bruxa de Blair" pulou para 1.101 salas no dia 1º de agosto, chegou aos US$ 50 milhões naquele fim-de-semana, desbancando a baba "Noiva em Fuga", estrelada por Julia Roberts.
Mais? Três semanas depois, o filme chegava a 2.538 salas da América. A dimensão do sucesso da produção indie se dá quando se compara com "Star Wars - A Ameaça Fantasma", que teve uma bombástica estréia em 2.900 salas.

O medo de morrer é pior do que morrer
"A Bruxa de Blair" vale o que pesa, mas o filme cresce ainda mais quando é associado à sua história fora das telas. Seus assustadores momentos com sua assombrosa carreira de bastidores.
Ali, grudado na poltrona do cinema, é possível testemunhar o resgate da fórmula de terror de "O Iluminado", de Kubrick, ou de "O Exorcista", de Friedkin. O medo do desconhecido. Do que não se vê ou do que se acha que vê.
"A Bruxa de Blair" é totalmente não convencional. De maneira tosca, câmeras tremendo, o filme não mostra monstros, não é violento, não tem sexo, não espirra na tela (quase) nenhuma gota de sangue, não há tiros.
Há ainda a sacada de fazer do cenário uma floresta. E aí "A Bruxa de Blair" dialoga com "A Morte do Demônio", de Sam Raimi. Florestas são assustadoras. Já teve a impressão de ver alguém escondido atrás de uma árvore? Já ouviu falar de espíritos balançando galhos, de mortos enterrados sob um monte de pedras? Dizem que a série "Arquivo X" perdeu a graça depois que abandonou as florestas canadenses para ser filmado nos desertos da Califórnia.
O que é visto pelo público no cinema é rigorosamente o que os atores estão vendo, pois as imagens saem das câmeras deles. Isso faz "A Bruxa de Blair" parecer um jogo de estratégia de CD-ROM. O absurdo é quando se aproxima o filme da idéia de um jogo de RPG.
Em "A Bruxa de Blair", os diretores soltaram os três atores na floresta, com as câmeras, o gravador e um suprimento de comida. Mas sem roteiro.
Sim, os atores foram largados na floresta. Os diretores deram o fora, ficavam escondidos, sem aparecer. De vez em quando, deixavam as "orientações" em uma caixa para cada ator, que não sabia o que o outro ia fazer ou dizer.
Diante da premissa do documentário "real", eram os próprios atores que construíam os diálogos. Ainda sem o conhecimento dos atores, Myrick e Sanchez surgiam de madrugada para deixar objetos no caminho, interferindo no cenário. Heather, Josh e Mike acordavam e encontravam um ambiente diferente do que eles deixaram antes de dormir.
O resultado desse "game": mais de 20 horas de filmagens. E é esse material, editado em 81 minutos, que chega agora ao Brasil.
A propósito, a frase que serve de título para a capa da Ilustrada e a que compõe o primeiro parágrafo deste texto foram ditas pela garota Heather Donahue, no momento mais cavernoso do filme.
"A Bruxa de Blair" está aí. Dá para ter uma idéia do que está te esperando?


Avaliação:     

Filme: A Bruxa de Blair
Produção: EUA, 1999, 81 min.
Diretor: Daniel Myrick e Eduardo Sanchez
Com: Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael Williams
Quando: pré-estréia nacional hoje; estréia oficial amanhã em 180 cinemas




Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: "É uma descida ao inferno", diz Myrick
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.