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CINEMA
Autor de "Antes que me Esqueçam", Daniel Filho, 67, diz que "na vida, o que vale é a média", e afirma que será esquecido
"Não tenho mais nada a provar", diz diretor
Divulgação
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As atrizes Débora Falabella (à esq.) e Marieta Severo em cena de "A Dona da História", de Daniel Filho |
DA REPORTAGEM LOCAL
Nesta parte da entrevista, o diretor Daniel Filho fala sobre a
produção de cinema no Brasil, a
predominância da TV Globo no
mercado e sua atuação na Globo
Filmes.
(SILVANA ARANTES)
Folha - O sr. avalia que o cinema
caminha para ser menos arte e mais
entretenimento juvenil?
Daniel Filho - O cinema americano, que domina o mercado, tem
apostado nesse tipo de filmes,
possivelmente porque têm poder
aquisitivo bem maior. Mas não
creio que seja o mesmo no Brasil.
Na Europa, as televisões fechadas e abertas começaram a investir no cinema e, ali, há uma possibilidade de fazer filmes menores,
mais intimistas, que precisam
menos desse chamado público
que vai ao cinema. Vejo isso acontecer e é algo que desejo muito.
Folha - O sr. se refere à participação das TVs européias no financiamento da produção cinematográfica. O vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho,
publicou na Folha artigo intitulado
"A TV não é o problema", em que
avalia o projeto do Ministério da
Cultura de criar a Ancinav (Agência
Nacional do Cinema e do Audiovisual). Onde está o problema do financiamento do cinema brasileiro?
Filho - Eu vejo isso tão longe, que
acho que não seja para a minha
geração. É o problema do achatamento salarial. Somos terceiro
mundo. Pertenci a uma época em
que produzíamos filmes com
nosso dinheiro, e esse dinheiro
voltava. "O Casal" [1975] foi um
filme que produzi com meu dinheiro. Eu, Roberto Farias e Tarcísio Meira o produzimos.
Folha - Quanto custou?
Filho Não me lembro. Tenho
25% do filme. A mim custou um
Karman Ghia que vendi e meu
trabalho. Foi o que dei. Realmente, o problema não está na TV. Está em como podemos produzir algo que se pague. Quando fui fazer
televisão independente, vi que
certos produtos não podia fazer.
Quando quis vender [a série]
"Confissões de Adolescente", o
que podiam me pagar não cobria
o custo do programa. É por isso
que você vê o Silvio Santos tentando fazer um tipo de programa,
a Bandeirantes fazendo outro, e a
maioria fazendo programa de entrevista, porque fica barato.
Como a Globo é a dona do mercado, pela competência e pelo investimento dela, lá o patrocínio
cobre o preço do programa. Mas
como são eles que fazem, você fica
fora, sem saber o que fazer.
Folha - É uma incongruência o
país que tem a Globo, uma das
maiores empresas de produção audiovisual do mundo...
Filho -(Interrompendo) Já foi
mais forte. Pelo que vejo nas listas
dos caras, caiu algumas posições.
Mas continua sendo forte.
Folha - Uma grande empresa?
Filho - Isso! Das mais fortes do
mundo é um pouco forte demais.
Folha - Pois bem, o país possui
uma grande empresa de produção
audiovisual e um cinema subindustrial. É incongruente?
Filho - Exatamente. Temos a TV
Globo, com um audiovisual muito forte. Temos as outras muito
incompetentes, porque, durante o
período que a TV Globo se formou, as outras poderiam ter se
formado também. Mas algum
problema houve nas suas administrações ou nos seus processos
de investimento ou no governo,
quando deu as concessões.
Desde que existo na televisão, já
vi sumir a TV Tupi, a TV Rio, a
TV Manchete, a verdadeira TV
Record, a Excelsior, que já foi
muito mais forte do que a Globo.
Sumiram. Não existem. O que
houve? Onde houve o erro?
Vi os desmandos na TV Excelsior. Vi os desmandos nas associadas. Vi o desinteresse nas outras estações. Ou interesses paralelos nas outras estações. E vi, na
TV Globo, o dr. Roberto Marinho
não enfiando a mão no dinheiro
que entrava e reinvestindo no
próprio produto. Então ela começou a crescer e se tornou possivelmente a única estação realmente
profissional do país.
Isso para mim é uma alegria?
Não. Para mim é uma tristeza. Como você está num campo em que,
graças a Deus, há uma concorrência maior, você pode sair de um
jornal para outro, ganhando
mais. Nós: [só temos a] TV Globo.
Ou vamos fazer dois meses de
uma novelinha rápida ali.
A TV fechada, também por um
erro de estratégia, foi feita de uma
forma que só no Brasil não teve
tantos assinantes como tem nos
outros países. Então, nem na TV
fechada a gente pode se dedicar a
fazer um programa com mais dinheiro. É essa a história.
Folha - Comenta-se no mercado
que a Globo Filmes tem dívida de
R$ 47 milhões com a Globo e vive
um impasse, por não conseguir se
tornar lucrativa. O sr. não está na
testa da Globo Filmes porque a Globo Filmes não é um bom negócio?
Filho - Vamos devagar. Qual é a
sua tese?
Folha - A Globo Filmes não é um
bom negócio.
Filho - Nunca ouvi isso. E que a
Globo deve R$ 47 milhões à TV
Globo? Isto tenho certeza de que é
total inverdade. A Globo Filmes
não deve um centavo à TV Globo,
mesmo porque a Globo Filmes é a
TV Globo, mas ela retorna o dinheiro. A Globo, algumas vezes,
patrocina uns filmes que não se
pagam e depois puxa o dinheiro
da bilheteria.
[A reportagem refez a pergunta
para a Central Globo de Comunicação, que respondeu: "A Globo
Filmes não recupera os investimentos de mídia que faz (até hoje
R$ 45 milhões, e não R$ 47 milhões, como mencionado), mas
este valor não é considerado uma
dívida, uma vez que seu papel é
estratégico e, desde seu lançamento, em 1997, seu objetivo é fomentar a indústria audiovisual.
Quanto a faturamento, este ano
teremos a nossa melhor receita e,
pela primeira vez, cobriremos os
custos que temos, excluindo os
investimentos em mídia.]
Folha - Por que o sr. não está na
testa da Globo Filmes?
Filho - Não sei. Os diretores da
Globo é que têm que responder
isso. Não tenho a menor idéia.
Folha - Como diretor artístico da
Globo Filmes o sr. prefere descobrir
novos talentos ou aglutinar talentos já comprovados?
Filho - Quando chamei Fernando Meirelles ["Cidade de Deus"],
ele não era talento comprovado.
Folha - Só na publicidade.
Filho - Só na publicidade. O que
não quer dizer nada, porque Flavia Moraes é a melhor e a mais
bem paga da publicidade.
Folha - E "Acquaria" não é um
bom filme. É o que está dizendo?
Filho Estou dizendo que "Acquaria" foi mal. Não vi, mas soube
que é um mal filme, apesar de
achar que vale a tentativa.
Folha - É diversa a produção dos
diretores oriundos da TV: Guel Arraes ("Lisbela e o Prisioneiro"), Jorge Furtado ("O Homem que Copiava"), Luiz Fernando Carvalho ("Lavoura Arcaica"), Jayme Monjardim
("Olga"). Nesse arco, o sr. aprecia
tudo? Gosta de "Lavoura Arcaica"?
Filho - A média é ótima. O que
vale é a média. Na minha vida, na
tua vida, o que vale é a média. Você não pode ser julgado apenas
por um ato nem pode se deixar
abater por um ato que tenha feito.
Não tenho mais nada a provar.
Tudo meu já está provado. Vocês
me conhecem. Já viram o que fiz
de bom, de ruim, de excelente, de
delicado, de grosseiro. Sou isso.
Folha - O descompromisso de não
querer provar mais nada substitui
o pedido-confissão-biográfica "Antes que me Esqueçam"?
Filho - "Antes que me Esqueçam" continua. Serei esquecido,
sem dúvida nenhuma, como todos os artistas brasileiros. Tem
um momento na vida que você
tem que relaxar e curtir. Já corri o
que tinha que correr. Não quer dizer que eu tenha encerrado, mas
agora corro mais tranqüilo.
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