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ARTIGO
Uma reflexão necessária
Para curador da Bienal, conselhos da instituição e de museus deveriam se empenhar num processo de autocrítica e reciclagem
IVO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ao contrário do que parece
ser a interpretação difundida
pela Folha em dois artigos publicados na semana passada,
nunca houve uma cisão na comunicação entre a presidência
da Fundação Bienal de SP e a
curadoria da 28ª Bienal.
Desde o princípio, a relação
entre elas tem sido marcada
por parâmetros técnicos e profissionais, visando à melhor
implantação do projeto contratado. Evidentemente, no processo de trabalho, surgem diferenças de posição, interpretação ou procedimentos, mas para isso existe o diálogo. É nesse
contexto que deve ser entendida "a carta" interceptada pela
Folha que deu origem à polêmica: uma troca de argumentos
entre a curadoria e a presidência, algo natural do processo de
trabalho. No mais, a questão
parece encerrada e os trabalhos
no pavilhão estão a todo vapor.
Entretanto, como a 28ª Bienal propõe uma reflexão sobre
o modelo, o sistema e a economia das bienais, em particular a
de São Paulo, acredito que esse
episódio merece uma análise.
Primeiro, é preciso reconhecer que não adianta expor as
entranhas e os processos internos das instituições de forma
atabalhoada e sensacionalista.
Falsas polêmicas não mudam
nada, só comprometem o bom
andamento dos trabalhos no
interior da organização. É preciso aprofundar a reflexão.
O tom utilizado nos recentes
artigos leva a uma compreensão errônea e simplista dos processos no interior do sistema
das artes. A meu ver, o problema, evidenciado com a publicação da "carta", não está em
quem responde nominalmente
pela instituição. Ele precede
qualquer nome ungido pelos
seus pares para a honra de dirigir a Bienal.
A questão tem raízes históricas, que não podem ser esquecidas. É fundamental levar em
conta o modelo de sociedade civil e filantrópica que deu origem ao Masp, aos MAMs do Rio
e de São Paulo e à irmã temporã
deles, a Bienal de São Paulo.
Ao final dos anos 40, a referência de Assis Chateaubriand,
Niomar Moniz Sodré e Ciccillo
Matarazzo, criadores daquelas
instituições, era Nelson Rockefeller, e o modelo de museu que
tinham em mente era o de arte
moderna de Nova York, com
seu poderoso conselho curador. Lá, assim como em quase
todos os museus americanos,
os membros dos conselhos pagam para fazer parte e transferem aos museus, ao longo da vida, suas fortunas e coleções.
Foi assim que os americanos
construíram alguns dos melhores museus do mundo e fizeram do MoMA uma estratégia
na Guerra Fria e na globalização. Entretanto, por aqui, o modelo não funcionou, a despeito
de muitas exceções, pois ele supõe que os presidentes, diretores e conselheiros dessas entidades ponham dinheiro de seus
bolsos para o bom funcionamento das organizações e do alcance de seus objetivos institucionais, já que o Estado, a princípio, não participaria dessas
sociedades.
Evidente que existem diferenças históricas e culturais
entre as duas sociedades. No
Brasil, a grande contradição
dessas ações da iniciativa privada na cultura é que elas, quase
sempre, trabalham com recursos financeiros transferidos pelo Estado, isto é, são fundações
sem fundos!
Novas estruturas
Se o momento é de reflexão,
talvez os conselhos curadores
dessas entidades pudessem
empenhar-se num processo de
análise profunda, de autocrítica sincera, para pensarem numa reciclagem de suas organizações. Não é mais possível
manter modelos disfuncionais,
estruturas desligadas dos contextos em que se inscrevem,
nem organizações defasadas
em suas estratégias econômicas, ineficientes no cumprimento de seus programas.
São necessárias novas estruturas, novos organogramas,
atualizando as funções. Não é
uma questão de alternância do
poder, nem de novas regras de
comportamento, mas antes de
definir papéis claros, compromissos estáveis diante da história e das especificidades da instituição. É interessante notar
que muitos dos conselheiros,
nas diversas instituições, são
conhecidos empresários de sucesso. Sendo assim, por que não
conseguem imprimir ao museu
a mesma qualidade de planejamento e gestão com que dirigem seus negócios? O que ficou
disfuncional na relação entre o
empresariado e a instituição
cultural privada?
Se essa reflexão não for feita,
continuaremos a assistir, de
tempos em tempos, a tempestades que não modificam nada,
como a da semana passada na
Bienal de São Paulo. Os técnicos e profissionais do setor
querem seguir trabalhando.
Para isso, é preciso que conselhos curadores preparados juntem-se a eles na construção de
algo verdadeiramente coletivo.
IVO MESQUITA é curador-chefe da 28ª Bienal
de São Paulo
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