São Paulo, Sábado, 30 de Outubro de 1999
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Conheça Brad Mehldau, the next big thing do jazz



Pianista, 28, é comparado a grandes solistas como Bill Evans e Glenn Gould, cita Shakespeare, Rousseau e Goethe, está em trilha de filme de Kubrick e vem ao próximo Free Jazz


CARLOS CALADO
especial para a Folha

A história se repete. Os europeus andam encantados por um jazzista norte-americano que ainda é pouco conhecido em seu próprio país. Brad Mehldau, 28, está sendo apontado como a nova sensação do gênero.
Na Itália, onde já virou ídolo, os críticos o comparam a grandes solistas do piano, como Bill Evans e Glenn Gould. Lembrar de Keith Jarrett também é comum, ao vê-lo retorcido sobre o piano.
Outra característica de Mehldau que atrai os europeus é sua incomum inclinação intelectual. Ele chega a citar Shakespeare, Rousseau e Goethe, tanto em entrevistas como em textos que incluiu no encarte de seu CD.
Os brasileiros já o ouviram ao vivo uma vez, no Free Jazz de 1991, ao lado do saxofonista Christopher Hollyday -a organização do festival promete trazê-lo de novo no ano 2000. Além disso, sua música "Blame it on My Youth" faz parte da trilha do filme "De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick, atualmente em cartaz no Brasil.
Mas a carreira do rapaz decolou apenas em 1995, ao gravar o primeiro disco como líder, depois de acompanhar Joshua Redman.
Mehldau falou à Folha durante a recente edição do festival Umbria Jazz (em Perugia, na Itália), no qual se apresentou pelo terceiro ano consecutivo -outro índice de seu enorme prestígio.

Folha - Como você encara a pressão de ser apontado como a "next thing", a última novidade na cena do jazz?
Brad Mehldau -
Acho que a melhor atitude é não dar importância a isso, porque qualquer coisa considerada nova, por natureza, vai ser vista como velha algum dia. Se você entra nessa história, já compra a certeza de envelhecer.

Folha - Você vê uma relação entre seu interesse simultâneo por música e literatura?
Mehldau -
Acho que a música e a literatura transmitem a você o sentido de sua própria mortalidade, a sensação do tempo passando, algo que eu não sinto na pintura, por exemplo. O que eu mais aprecio na arte é que ela permite a você pensar na sua mortalidade de uma maneira um pouco mais confortável. E a música oferece essa possibilidade como nenhuma outra arte, porque ela é a representação direta de algo mortal. No jazz, quando você realmente improvisa, cria algo que vai ter de esquecer para seguir adiante.

Folha - É sabido que você admira o crítico literário Harold Bloom, que já escreveu sobre a angústia da influência. Como você lida com a ascendência de outros músicos sobre seu estilo?
Mehldau -
Sim, Harold Bloom escreveu sobre a idéia de que você sempre sente estar chegando tarde demais, porque muita coisa já foi feita antes. Ele fala sobre poetas, mas acho que isso se aplica a qualquer artista. Você tem de amar o que veio antes de você, mas precisa "ler errado" para poder fazer algo diferente.

Folha - Aconteceu com você?
Mehldau -
No meu caso, as influências vêm tanto do jazz como da música clássica. Num certo momento, você pára de fazer um pastiche de suas influências e mergulha em si mesmo. Como isso acontece é um mistério.
Comigo esse processo começou a se desenvolver há uns quatro ou cinco anos, quando toquei com Joshua Redman. Passei a me preocupar em como poderia me afastar de McCoy Tyner, Bill Evans ou de quem quer que fosse.

Folha - Algum músico, em particular, já o fez sentir angústia por sua forte influência?
Mehldau -
Não, nenhum em particular. Acho que no jazz de hoje não há mais uma linhagem direta. Você pode apanhar coisas de onde quiser. O jazz vive se reinventando, ao tomar coisas de outras culturas, como a latina.

Folha - Falando em influência brasileira, em seu concerto a dois pianos com Kenny Barron, no Umbria Jazz, vocês tocaram "Manhã de Carnaval", de Luiz Bonfá. Foi escolha sua?
Mehldau -
Foi idéia de Kenny, mas eu já a tinha tocado anos atrás. É uma canção muito bonita. O que eu mais gosto na tradição musical brasileira é a harmonia. Ela costuma ser muito rica e tem uma forte influência européia.

Folha - O que você acha da idéia de que o jazz vai se transformar em uma espécie de música clássica no futuro?
Mehldau -
Eu espero que isso não aconteça. Acho que a noção de que houve um renascimento do jazz, nos anos 80, deu às pessoas uma idéia errada. Sem dúvida, houve um ressurgimento de interesse pelo jazz e os músicos voltaram a ser valorizados e passaram a tocar em lugares melhores. Gente como Wynton Marsalis até ajudou a educar o público, mostrando que essa música é séria.
Mas não concordo com a concepção de que houve uma espécie de antiguidade do jazz e que os anos 70 foram a era das trevas que precedeu o renascimento. O jazz nunca parou. Essa idéia sugere que estamos numa fase derradeira do jazz, como se ele fosse acabar. Não gosto de termos históricos arcaicos sendo aplicados a uma música que está em processo constante de desenvolvimento.


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