São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Artistas sofrem boicote após campanhas

ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos começo da campanha do segundo turno para a Prefeitura de São Paulo, Beto Magnani, ator e co-produtor de "Suburbia", de Eric Bogosian, convidou Samantha Monteiro para um papel.
"Ela aceitou na hora e me disse que não poderia começar a ensaiar em outubro, pois estava na campanha do Maluf. Fiquei mudo. Não sabíamos. Ela percebeu que fiquei chocado, se justificou, disse que o dinheiro era bom."
"Eu estava me policiando para não perseguir uma atriz. Ela apoiava um candidato em uma democracia, mas não queríamos que a peça ficasse conhecida como a peça da garota do Maluf."
Há dois momentos na história das campanhas. Nos anos 80, predominava o discurso ideológico. Partidos e frentes, recém-criados na jovem democracia, desenhavam uma "personalidade" com depoimentos de famosos.
Malufistas históricos, como Hebe Camargo, e petistas históricos, como Antônio Fagundes, davam voz aos partidos. A partir dos anos 90, o marketing político se profissionalizou, priorizando rumos dados por pesquisas quantitativas e qualitativas ("qualis").
"Depoimentos de celebridades foram reduzidos. O testemunhal tem baixa credibilidade nas classes baixas e não agrega votos em certas campanhas. O eleitor sabe que o artista não é o candidato", diz Rui Falcão, coordenador da campanha do PT em São Paulo.
Nasceram as personagens com falas calculadas, seguindo indicações das "qualis": os profissionais de campanha. Muitos dos que trabalharam em campanhas conservadoras, como as de Collor e Maluf, tiveram um revés na carreira.
A atriz Helen Helene protagonizou a campanha de Maluf para prefeito, em 92. Depois, perdeu trabalhos e foi estigmatizada. "Eu não tinha noção do que me aconteceria. Estamos num país que trata mal os atores. Viver do trabalho é difícil. Um ator pega um trabalho como um dentista atende a um cliente, sem perguntar sua ideologia", diz.
"É um preço alto que se paga, porque confundem o ator com o produto. Eu não era malufista, era do PSDB e já tinha feito trabalho para o PT em locuções de rádio. Acho que fiz um belo trabalho, abri portas para outros atores."
Alguns não tiveram a carreira prejudicada, como o grupo vocal Fat Family que, no passado, apareceu numa campanha malufista; a Folha apurou que um empresário os levou para a campanha, sem informar de quem era.
Hoje, fazem de 10 a 12 shows mensais e preparam o terceiro CD para 2001. Sônia Cipriano, atual empresária do grupo, defende o ideal "pagou-levou".
"É um trabalho. Se o contato é feito por empresários e o cachê é bom, pronto. Se for bom para todos, o grupo vai e faz a campanha. Tivemos vários contatos."
"Mefisto. É essa a imagem que me vem. As pessoas esperam que uma atriz da estirpe da Samantha tenha um discurso mais progressista. O problema é que a campanha do Maluf foge dos padrões de conduta, é fora dos limites. O ator tem uma imagem que influencia", completa Falcão.
"Com quem está o discurso autoritário? Com aqueles que não permitem a discordância. As pessoas têm o direito de exercer o seu trabalho", diz José Maria Braga, coordenador de marketing da campanha de Maluf.
"Pensam que estamos vendendo a alma? Especializei-me em recuperação de imagens. Até meus amigos ficaram chocados quando souberam que eu trabalhava para o Maluf", afirma Braga.


Texto Anterior: E agora, Samantha?
Próximo Texto: Panorâmica: Folha promove debate sobre os estudos da mente e a contemporaneidade
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.