São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 2002

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ARTIGO

A Academia nunca mais será a mesma

DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Publius Vergilius/Folha Imagem
Paulo Coelho ocupa sua nova cadeira na ABL, em cerimônia realizada anteontem no Rio


Se você tem algum sonho, aproveite, pois a hora é agora: o universo está conspirando a favor e os sonhos se tornando realidade. Domingo foi a vez de Lula e, na noite de segunda, a de Paulo Coelho. A Academia Brasileira de Letras se enfeitou como nunca para receber o mago; afinal, quem vendeu 55 milhões de livros no mundo in-tei-ro merece todas as honras da casa.
Quem não conseguiu um lugar na bela sala com cadeiras de veludo azul, lustres e candelabros de cristal, viu (e ouviu) Paulo Coelho discursando, sério e emocionado -e sobretudo muito feliz- através de dois telões nas varandas, cobertas de toldos transparentes. Quem sentiu calor -estava uma sauna- deu dez passos e ficou no local destinado aos motoristas, que como não tiveram direito a toldo estavam numa boa, no fresquinho da noite (e nesses novos tempos fica até chique esse tipo de convivência, digamos assim).
Paulo fez um discurso emocionado e estava muito feliz; em seguida falou Arnaldo Niskier, que aproveitou para fazer média. Citou os colegas, amigos presentes e ausentes, e ainda deu informação preciosa: que o senador José Sarney sabe to-dos os sermões do Padre Antonio Vieira de cór.
É infinita a imaginação das mulheres quando ouvem falar em black-tie. Havia chinesas, indianas, taitianas, pernas de fora, turbantes, brocados de todas as cores, paetês e pedrarias, tudo o que é -e que não é- permitido numa festa. Mas o máximo mesmo era o fardão dos acadêmicos.
Além dos galões dourados e do chapéu com plumas, alguns ainda puseram, por cima dos bordados, suas condecorações. Marcos Vilaça ostentava uma 25, fora o colar com a Ordem do Rio Branco -e ainda dizem que as mulheres é que são vaidosas.
A platéia era eclética; editores estrangeiros confraternizavam com peruas -algumas elegantes, outras nem tanto (a bem da verdade, havia também as pavorosas), e uma das convidadas de Paulo era especial: foi a primeira leitora que lhe pediu um autógrafo, e que ele convida para todas as suas festas.
A maioria dos imortais tinha o cabelo pintado, e as cores eram variadas: passavam de todos os tons de ruivo ao negro graúna, sendo que Eduardo Portela caprichou e ainda fez uma escova. Detalhe: Roberto Marinho não foi, está de pé quebrado.
Findos os discursos, alguns acadêmicos mais idosos se foram, com a ajuda providencial de amigos, digamos assim -é nisso que dá ser imortal. O distinto público foi avisado: deveria permanecer sentado, e os cumprimentos seriam numa outra sala -bem rígido, o protocolo da ABL. Para entrar nessa sala, havia duas portas: uma só para os imortais e outra para os mortais -e na segunda, a fila foi imensa.
Cristina e Paulo (com um lindo colar de ouro) receberam os cumprimentos rindo de orelha a orelha, e a fila só parou quando Gerald Thomas perguntou ao novo acadêmico se podia fumar; não podia, mas passou a poder, e os dois foram para uma varanda e fumaram um belo cigarro, disfarçadamente.
A festa entrou pela madrugada; a Academia, que é rica, encomendou um bufê de rico, havia canapés de lagosta, o uísque rolou e tinha até manobrista (a conta foi rachada entre a Academia e Paulo). Informação cultural: o moderníssimo prédio ao lado pertence à ABL e tem como um de seus famosos inquilinos o poderoso grupo Icatu. Só de uma coisa não se falou, nessa noite de festa: do resultado das eleições. E, se alguém ouvisse a palavra Lula, pensaria que se tratava do molusco, tal a distância que separa a imortalidade da realidade.
Observação: que o mundo é comandado pelos homens, isso ninguém discute. Mas que as mulheres imortais mereciam um modelito mais caprichado, isso elas mereciam. É preciso amar profundamente a literatura para usar aquele vestidinho pobre e malfeito, enquanto os fardões parecem ter sido desenhados por St. Laurent.
De repente, já bem tarde, a notícia circulou: "Tem uma mulher nua na festa". E tinha: só de calcinha, com os peitos de fora, a moça, que estava com um modelito que era um pano amarrado, foi levada pelos seguranças para um elevador. Descontraída, Mazurka -esse era seu nome- reapareceu mais tarde, como se nada fosse. A Academia Brasileira de Letras nunca mais será a mesma, depois da entrada de Paulo Coelho.


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