São Paulo, quarta-feira, 30 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA

Sem pernas de fora, Xuxa se desconstrói

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

A "rainha dos baixinhos" não existe mais. A loira de minissaia, que saracoteava freneticamente na televisão há quase duas décadas, resolveu se desconstruir. Cobriu o corpo, aquietou-se e está à procura de outra máscara.
É, pelo menos, o que sugere o novo "Xuxa no Mundo da Imaginação". O programa marca a volta da apresentadora às produções infantis diárias.
Nos anos 80, quando despontou, Xuxa aparecia em cena todas as manhãs para insinuar algo do tipo: "Crianças, cresçam logo. Cresçam já!". De maria-chiquinha e barriga à mostra, buscava acelerar a infância, encurtá-la.
Meninos e meninas se encantavam com a profusão de tranqueiras e pernas que a "xuperstar" lhes oferecia. Entravam, assim, em searas típicas dos adultos -a do consumo desenfreado e a do erotismo explícito.
Curiosamente, Xuxa comandava tal movimento fazendo as vezes de Peter Pan. Recusava-se, ela própria, a crescer. Dizia tratar as crianças de igual para igual, como se também fosse um baixinho. E abrigava-se, frágil, sob as asas de um pai provedor, mas rigoroso: Marlene Mattos.
Graças à diretora e empresária, Xuxa podia apenas pular, correr, dançar. Marlene se encarregava do resto. Respondia pela parte "chata" do negócio: contratos, logística etc. Em troca, exigia muita disciplina da filha tardia -a disciplina de brincar sem descanso.
Ocorre que o tempo passou. Xuxa virou mãe e, à beira dos 40, ousou matar o pai. Livrou-se de Marlene. Luta, agora, para se reinventar -ou, talvez, descobrir-se.
No retorno às manhãs da Globo, admite que envelheceu. Não se agita mais em cena, não se coloca no mesmo nível das crianças. Põe-se muitos degraus acima. Tornou-se uma espécie de professora, de tia boa-praça, que reivindica para si um papel educativo.
"Xuxa no Mundo da Imaginação" não tem desenhos animados, nem merchandising, nem paquitas de shorts minúsculos. Tampouco exibe cenário grandioso ou ritmo aeróbico.
É lento e, em termos visuais, quase artesanal. Mistura clipes com quadros cômicos e outros francamente didáticos, que dão noções de matemática, português, higiene, cidadania. Procura, ainda, resgatar cantigas de roda, trava-línguas e brincadeiras antigas, de um período pré-televisão.
Parece que a loira está querendo desdizer tudo o que afirmou 20 anos atrás. "Calma, baixinhos, por que tanta pressa de crescer?" Mais: parece negar a própria TV, principalmente quando propõe às crianças jogos "dos tempos do onça". No novo programa de Xuxa, o mea-culpa é o "xou".

Xuxa no Mundo da Imaginação


  
Quando: de seg. a sex. às 9h25, na Globo





Texto Anterior: Artigo - Danuza Leão: A Academia nunca mais será a mesma
Próximo Texto: Marcelo Coelho: A vitória de Lula e uma nova onda cultural
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.