|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Artista carioca lança o CD "Escape" no país, em novembro, com um ano de atraso e após sucesso na Europa e no Japão
Quase estrangeiro, Marcos Valle volta ao Brasil
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO DE JANEIRO
Um dos músicos brasileiros
mais atuantes das décadas
de 60 e 70, o carioca Marcos Valle,
59, reconquista lentamente seu
país, após um longo e tácito exílio
em que apenas europeus e japoneses deram ouvidos à sua obra.
Seu novo trabalho, "Escape",
lançado em 2001 pelo selo inglês
Far Out, chega ao Brasil só no início do mês que vem, pela nova
distribuidora da Trama. A EMI
acaba de relançar o álbum de estréia de um dos pilares da segunda geração da bossa nova, "Samba "Demais'" (64).
A maré ainda não é toda a favor.
A EMI já deixa faltar nas lojas o
disco recém-lançado e nem cogita, por enquanto, trazer ao Brasil
o trabalho feito em 2001 pela filial
japonesa da gravadora, de reeditar caprichosamente todos os fenomenais discos que Marcos Valle gravou -no Brasil- entre
1968 e 1974.
Restam à terra natal do bossa-novista alienado que virou músico participante pós-tropicália que
virou artífice da frente branca da
black music nacional os dois pontos mais distantes de sua história,
o mais antigo e o mais recente.
Valle conta ao Brasil indiferente
o fenômeno que ele passou a vivenciar desde que passou temporada nos Estados Unidos e se tornou parceiro, em 81, de Leon Ware, artesão da meca negra Motown: "No fim dos anos 80, alguns
DJs de Londres perceberam na
minha música a possibilidade de
sua mistura de balanço, harmonia
e improvisação ter um público
mais jovem. Hoje minha música
entra na Europa junto a esse público, e acabo tocando em festivais de rock".
Às suas costas, na parede de sua
casa/estúdio carioca, um pôster
da edição 1999 do festival dinamarquês Roskilde mostra que ele
não exagera. Lá, seu nome está
entre outros como Flaming Lips,
Mercury Rev e Placebo.
Aqui, a notícia anterior sobre
ele viera no livro "Eu Não Sou Cachorro, Não" (Record), de Paulo
César de Araújo. Empenhado em
dissolver preconceitos contra a
geração brega da MPB dos anos
70 e em relativizar o adesismo da
dupla Dom & Ravel ao regime
militar, ali o autor contou que Valle fizera, em 1973, um samba em
ode aos militares.
"Flamengo Até Morrer", para
Araújo, conectava o amor ao time
de futebol à eficácia do presidente
Médici.
Valle se choca ao saber dessa interpretação: "Essa música era
contra o governo! Queríamos dizer que o governo brasileiro tinha
que alienar todo mundo para que
as coisas parecessem estar bem. O
negócio era Brasil e era Flamengo.
E a gente terminava assim: "O resto a gente sabe, mas não diz'".
Sua versão parece condizente
com uma trajetória de fato, tortuosa, que culmina, em "Escape",
em melodias profundas e extremamente serenas como a de
"Reality" (cantada docemente em
inglês -Valle é também um de
"nossos" melhores cantores).
Por volta de 65, se revoltou contra a dissidência politizada da
bossa, liderada por Carlos Lyra e
Nara Leão, que tachava Tom Jobim e João Gilberto de alienados.
Assumiu-se surfista, criticou em
"A Resposta" os que cantavam o
morro virados para o mar.
Foi patrulhado? "Não fui, mas
tive que sair daquele mundo só
musical e perceber o que estava
acontecendo. Não foi pressão, foi
consciência." Veio uma fileira de
clássicos engajados: "Viola Enluarada", (68), "Mustang Cor de Sangue" (69), "Esperando o Messias"
(70), "Com Mais de 30" (71) e...
"Flamengo Até Morrer" (73).
Enquanto quase todos da bossa
se viam apanhados pela renovação tropicalista, Valle foi exceção
ao se adaptar aos novos rumos.
Não virou tropicalista, mas ajudou a cravar no coração da música popular brasileira uma surda
invasão negra, que lhe rendeu um
ápice de carreira e um dos momentos notáveis da moderna
MPB: o álbum "Garra" (71).
Virou hippie típico, mas foi vender sua inédita associação entre
samba, jazz e soul na Globo, onde
se fez ambíguo de novo ao virar
autor principal de trilhas como a
novela "Selva de Pedra" (72) e o
infantil "Vila Sésamo" (74). "Fui
criticado o tempo todo por isso,
mas depois todo mundo começou a fazer música para a Globo."
Coincidência ou não, 74 viu iniciar seu primeiro longo ostracismo, quebrado em parte pelo trabalho nos EUA e pela breve volta
ao sucesso, ainda nos braços da
Globo, com o hit de malhação
"Estrelar" (83). O novo sumiço
durou mais dez anos, e agora olha
ele aí, começando mais uma vez.
Escape
Artista: Marcos Valle
Lançamento: Far Out
Quanto: R$ 22 (preço sugerido)
Texto Anterior: Marcelo Coelho: A vitória de Lula e uma nova onda cultural Próximo Texto: Nova MPB: Vanessa estréia com apoio de medalhões Índice
|