São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2008 |
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NINA HORTA "A Menina dos Fósforos"
LI NÃO sei onde que o conto de fadas que te ficou na cabeça é aquele pelo qual você rege a sua vida. Por exemplo, "A Menina dos Fósforos". Quem se lembra? Uma noite de Natal refulgente numa casa européia. Crianças em volta de uma árvore, assados, doces e frutas sobre a mesa adamascada e cheia de velas. E, lá fora, o nariz achatado no vidro, a menina enregelada. Tinha uma caixinha de fósforos e ia acendendo um a um para se aquecer ou para enxergar e talvez comer com os olhos o que lhe era negado naquela noite santa. E, no dia seguinte, foi encontrada encolhidinha e morta debaixo da janela. É claro que quem ouvia essa história não se esquecia nunca mais, trágica de tudo, bem como criança gosta. E agora inventaram o "Jantar do Século" e convidaram pra novembro uma penca de cozinheiros melhores do mundo, mostrando as novas tendências. Todo mundo que adora comida finge não estar ligando, mas se sente ora como a menina dos fósforos, ora como vítima da fada vingativa, ora desdenha ("eu nem queria ir mesmo", "que pena, estou de viagem para..."), ora resolve barrar a entrada dos convidados ilustres deitando-se com o barrigão para cima bem na porta do Hyatt. Pouca gente toma a providência que resolveria tudo, que é pagar R$ 5.000 beneficentes para comer as gostosuras do século. Olha a Bolsa... e todos se encolhem, sem apetite. Mas, não dizem por aí que comemos primeiro com os olhos? Então experimentem ir ao Jantar do Século pela internet. Acreditem que é só clicar no nome do prato e do cozinheiro no Google. Por exemplo, primeiro prato -moshi de gorgonzola. Ponham "el bulli, moshi de gorgonzola" -e lá está ele, descrito por uma rapariga portuguesa, Spice Girl, pois, pois, que o experimentou: "Penso que é um ravióli líquido. [....] Penso, confesso que lá não pensei minimamente como se fazia nenhum dos pratos, porque estava mais preocupada com a experiência. Muito cremoso, e no meio tinha um pedacinho de gorgonzola. Primeiro sentia-se a parte exterior, cremosa e suave, depois algo sólido como a explosão do sabor de gorgonzola". No mesmo jantar, há uma ostra ao cava, que não é uma ostra, e sim uma folha com gosto de ostra! Precisamos descobrir qual é, vem da Escócia. "Uma folha, umas gotas de vinagre e perto do caule um cubinho de cebola ou chalota. E sabe mesmo a ostra, mastiga-se, o sabor está todo lá, mas sem a textura característica. É estranho. Talvez o cubinho mínimo de cebola fosse um sabor demasiado forte. Gostaria de ter experimentado outra sem ele para avaliar." E encantados podemos ver a sopa de alho "Las Pedroñeras", de Manolo de la Osa, com direito a receitas e vista do lugar. Nenhuma menina dos fósforos terá visto com tanta lucidez os pratos, como na internet, o nariz achatado na tela do monitor. E o engraçado é pesquisar-comer prato por prato (A fada má que não foi convidada para o batizado da princesa) e vingativamente esperar que algum dos pratos, só um, só um saia horrível, como o "texturizado de peixe em brasas de caroço de azeitona e guacamole", que bem o merecia por causa do nome, mas em compensação tem a "galinha de ovos de ouro" de Quique Dacosta, que é linda também, o papel de ouro semi escondendo uma gema dourada. Bom, não vou dar todas as dicas, quase morri sufocada com esse calorão, diferente da outra dos fósforos que se foi com o frio. Acho que o jeito é largar uns tostões na Bolsa, furar o dedo na roca e dormir durante cem anos para acordar só no Jantar do Século que vem. Informações: 0/ xx/11/3926-1705; jantardoseculo@prazeresdamesa.com.br. ninahorta@uol.com.br
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