São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2011

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VANESSA VÊ TV

VANESSA BARBARA - vanessa.barbara@uol.com.br

Democracia ou cama

Quando vi pela primeira vez um controle remoto universal, achei que fosse um místico controlador de todas as tevês da vizinhança. O sujeito se postaria no meio da rua, feito um mago, apertaria o botão de desligar e pronto, acabou a farra da novela para o quarteirão inteiro.
Lembro de um vizinho que, maravilhado, mudava de canal na sala e dava um passo pra trás, alcançava o corredor, abria a porta e se postava no meio do quintal, na esperança de ver até onde a feitiçaria poderia ir.
Isso era mais divertido em dias de jogo do Brasil, quando tentávamos desligar alguma tevê a distância, trepados no portão alheio, só pra ouvir um sapato voando e um berro de desespero lancinante.
Eu mesma devo ter subido no telhado para tentar mudar sorrateiramente de canal as tevês de um edifício próximo, e na minha cabeça acho que consegui.
Naquela época, além da mística coletiva do controle universal, era comum que as casas tivessem um só aparelho para a família inteira.
Ele se localizava na sala (não existia esse disparate de TV na cozinha, na lavanderia, no banheiro) e era disputado a tapas nos dias mais críticos.
O chefe da família, invariavelmente corinthiano, detinha o mando do controle nos dias de clássico. A dona da casa não abria mão da novela, os avós achavam graça em cochilar na sessão da tarde e os filhos eram contemplados seguindo a ordem de idade -o mais novo, recém-apresentado às teorias de Habermas e da Escola de Frankfurt, dizia que a TV era o ópio das massas, mas assistia com o canto do olho as videocassetadas do Faustão enquanto fingia ler um texto em xerox.
Havia democracia naquele tempo -quem quer assistir ao Jô Soares levanta a mão- e os perdedores que tratassem de ir para a cama mais cedo. Vigorava uma lei tácita de prioridade (era de quem pagou pela tevê), e vez ou outra valia a lógica do "sentei primeiro" ou "cheguei antes".
No final, ninguém saía ganhando porque acabava a luz sem motivo ou uma ventania derrubava a antena, e o jeito era fazer palavras cruzadas. No meio da rua, o vizinho tentava ler mentes com o controle remoto universal.
Hoje cada um da família tem a sua tevê, ainda que estejam todas sintonizadas na mesma reprise de "Zorra Total".


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