São Paulo, sexta, 30 de outubro de 1998

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ANÁLISE
Real e falso se assemelham

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Em 29 de outubro de 1938, a trupe do "Mercury Theater on the Air", emissão radiofônica da CBS, ainda hesitava em levar ao ar "A Guerra dos Mundos".
Howard Kock, que havia feito a adaptação do texto de H.G. Wells, achava tudo aquilo muito enfadonho. O problema é que as opções à mão pareciam mais enfadonhas ainda, de maneira que "A Guerra dos Mundos" era mesmo a melhor opção. Como o pessoal do "Mercury Theater" achava essas histórias de marcianos uma bobagem, Welles entendeu que a única maneira de salvar a emissão era acrescentar-lhe alguma atualidade.
Foi nisso que ele trabalhou na noite de 29 para 30 de outubro, dia do programa. A idéia consistia em interromper bruscamente o programa para uma suposta notícia de última hora, dando conta de um desembarque de marcianos em Nova Jersey. De tempos em tempos, o programa era interrompido por comunicados urgentes, pronunciamentos de autoridades etc.
Ninguém na companhia achava que os norte-americanos iam acreditar que Nova Jersey estava sendo realmente invadida pelos marcianos. Depois, foi o que se sabe: o pânico, com quase 2 milhões de pessoas tomando algum tipo de providência contra a invasão.
As pessoas fugiam para o campo (os do campo vinham para a cidade), de maneira que as estradas se congestionaram. Os hospitais se abarrotaram de gente. A Guarda Nacional foi convocada em Nova Jersey. As igrejas foram tomadas por pessoas que queriam se confessar antes de morrer. Houve mesmo uma mulher de Pittisburgh que preferiu a morte a ser violada pelos marcianos...
Segundo consta, mesmo várias semanas após o episódio, voluntários da Cruz Vermelha tentavam convencer famílias inteiras, refugiadas em algum fim de mundo, de que podiam voltar a suas casas. A história rendeu uma chuva de processos atingindo a CBS e Welles.
Como a CBS, previdente, forçara a substituição de nomes reais dos locais por nomes imaginários, ficou o dito pelo não dito e, graças ao sucesso da emissão, Welles acabou sendo contratado por Hollywood.
As coisas não ficaram por aí e geraram ao menos uma consequência curiosa, narrada pelo cineasta a Peter Bogdanovich, no livro "Este É Orson Welles" (editora Globo).
Em 1941, Welles fazia outro programa de rádio, quando a transmissão foi interrompida para que se anunciasse o ataque da base norte-americana de Pearl Harbor pelos japoneses.
Dessa vez, a reação foi de incredulidade, como se novamente Welles quisesse pregar uma peça. Não queria.
Talvez por conta do clima de pré-guerra, talvez pela credulidade dos norte-americanos em relação a ataques interplanetários (ainda hoje, o sucesso de "Independence Day" é eloquente sobre o assunto), o episódio pode ser lembrado como possivelmente o caso mais célebre de histeria coletiva deste século. Mas certamente não é por acaso que, com ele, estava envolvido Orson Welles, ator, prestidigitador e cineasta sempre disposto a mostrar que, neste mundo, o falso e o verdadeiro não são coisas assim tão diferentes.



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