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ANÁLISE
Real e falso se assemelham
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Em 29 de outubro de 1938, a trupe do "Mercury Theater on the
Air", emissão radiofônica da CBS,
ainda hesitava em levar ao ar "A
Guerra dos Mundos".
Howard Kock, que havia feito a
adaptação do texto de H.G. Wells,
achava tudo aquilo muito enfadonho. O problema é que as opções à
mão pareciam mais enfadonhas
ainda, de maneira que "A Guerra
dos Mundos" era mesmo a melhor
opção. Como o pessoal do "Mercury Theater" achava essas histórias de marcianos uma bobagem,
Welles entendeu que a única maneira de salvar a emissão era acrescentar-lhe alguma atualidade.
Foi nisso que ele trabalhou na
noite de 29 para 30 de outubro, dia
do programa. A idéia consistia em
interromper bruscamente o programa para uma suposta notícia de
última hora, dando conta de um
desembarque de marcianos em
Nova Jersey. De tempos em tempos, o programa era interrompido
por comunicados urgentes, pronunciamentos de autoridades etc.
Ninguém na companhia achava
que os norte-americanos iam acreditar que Nova Jersey estava sendo
realmente invadida pelos marcianos. Depois, foi o que se sabe: o pânico, com quase 2 milhões de pessoas tomando algum tipo de providência contra a invasão.
As pessoas fugiam para o campo
(os do campo vinham para a cidade), de maneira que as estradas se
congestionaram. Os hospitais se
abarrotaram de gente. A Guarda
Nacional foi convocada em Nova
Jersey. As igrejas foram tomadas
por pessoas que queriam se confessar antes de morrer. Houve
mesmo uma mulher de Pittisburgh
que preferiu a morte a ser violada
pelos marcianos...
Segundo consta, mesmo várias
semanas após o episódio, voluntários da Cruz Vermelha tentavam
convencer famílias inteiras, refugiadas em algum fim de mundo, de
que podiam voltar a suas casas. A
história rendeu uma chuva de processos atingindo a CBS e Welles.
Como a CBS, previdente, forçara
a substituição de nomes reais dos
locais por nomes imaginários, ficou o dito pelo não dito e, graças ao
sucesso da emissão, Welles acabou
sendo contratado por Hollywood.
As coisas não ficaram por aí e geraram ao menos uma consequência curiosa, narrada pelo cineasta a
Peter Bogdanovich, no livro "Este
É Orson Welles" (editora Globo).
Em 1941, Welles fazia outro programa de rádio, quando a transmissão foi interrompida para que
se anunciasse o ataque da base
norte-americana de Pearl Harbor
pelos japoneses.
Dessa vez, a reação foi de incredulidade, como se novamente Welles quisesse pregar uma peça. Não
queria.
Talvez por conta do clima de pré-guerra, talvez pela credulidade dos
norte-americanos em relação a
ataques interplanetários (ainda
hoje, o sucesso de "Independence
Day" é eloquente sobre o assunto),
o episódio pode ser lembrado como possivelmente o caso mais célebre de histeria coletiva deste século. Mas certamente não é por
acaso que, com ele, estava envolvido Orson Welles, ator, prestidigitador e cineasta sempre disposto a
mostrar que, neste mundo, o falso
e o verdadeiro não são coisas assim
tão diferentes.
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