São Paulo, sexta, 30 de outubro de 1998

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CINEMA - MOSTRA DE SÃO PAULO
"Amor & Cia.' busca "mineirice' de Eça

da Equipe de Articulistas

"Amor & Cia.", que fecha hoje a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, foi o grande vencedor do recente Festival de Brasília.
Ganhou os prêmios de melhor filme, atriz (Patrícia Pillar) e direção de arte, e foi muito bem recebido pela crítica e pelo público.
Adaptação da novela "Alves & Cia.", de Eça de Queiroz, o filme foi rodado em São João Del Rey (MG), ao custo de R$ 3 milhões, e tem também no elenco Marco Nanini e Alexandre Borges.
O diretor Helvécio Ratton, 49, ex-guerrilheiro da organização de esquerda VAR-Palmares, passou pela prisão, clandestinidade e exílio antes de se dedicar ao cinema e se destacar com dois filmes para crianças: "A Dança dos Bonecos" e "O Menino Maluquinho".
(JOSÉ GERALDO COUTO)

Folha - Você resolveu mudar de gênero para não ficar preso ao rótulo de cineasta de filmes infantis?
Helvécio Ratton -
Eu já havia feito curtas e médias "adultos". Minha ligação com o filme infantil foi circunstancial. Fiz "A Dança dos Bonecos" (1986) porque achava que os filmes infantis não respeitavam a criança, viam-na como objeto de consumo. Meu projeto seguinte era um longa sobre a guerrilha urbana, "Era uma Vez em Brasília", que acabou inviabilizado porque o Collor acabou com o cinema. Naquela época, o Ziraldo me convidou para filmar o "Menino Maluquinho". Discuti o roteiro com ele e fiz o filme.
Folha - Por que você escolheu "Alves & Cia."?
Ratton -
Sempre gostei de Eça de Queiroz, mas foi só há alguns anos que li "Alves & Cia.". Adorei o livro, e senti que poderia dar bom filme. Além disso, não se tratava de um texto consagrado, e sim de uma obra menos conhecida do Eça, editada postumamente por seu filho. Tinha um tratamento mais leve, com final cômico. Com isso, eu me senti mais livre para adaptar a história. Se fosse "Os Maias", ou "O Primo Basílio", eu me sentiria intimidado.
Folha - Quais foram as principais mudanças que você fez?
Ratton -
No plano factual, uma mudança importante é a gravidez de Ludovina, que não existia no livro. Acho que o final que inventei caberia no universo do Eça, que é cheio de casos de adultério, filhos ilegítimos etc. Suprimi uns personagens, acrescentei outros e mudei um pouco o caráter do Alves. Não dá para fazer hoje a crítica à burguesia que se fazia há cem anos.
Folha - A ambientação em Minas condiz com o espírito do livro?
Ratton -
Acho que sim. Há uma semelhança de traços de caráter que aproxima a nós, mineiros, do olhar de Eça, de sua observação irônica, de seu humor sutil, de sorriso no canto dos lábios. Além disso, São João Del Rey teve um florescimento econômico justamente na época em que se passa a história, com a chegada da ferrovia.
Folha - Do ponto de vista cenográfico, a cidade estava pronta...
Ratton -
Sim, mas tivemos que "maquiar" muita coisa, pois em alguns lugares havia casas comerciais, placas, fachadas modernas etc. De modo geral, nossa preocupação básica era conseguir uma cidade que parecesse de verdade.
Folha - A história contém elementos que poderiam descambar para a vulgaridade ou o besteirol. Como enfrentou essa questão?
Ratton -
As primeiras versões que fizemos do roteiro tinham um tom mais pesado, de baixa comédia. Aos poucos fomos encontrando o tom de humor mais adequado ao estilo do Eça, que é um humor irônico, de entrelinhas.
Folha - Você disse em Brasília que vê o bom filme como "uma boa história, bem contada e interpretada por bons atores". Não é uma definição muito restritiva?
Ratton -
O que eu queria dizer é que o cinema pede uma narrativa estruturada. Não é necessário que o filme tenha uma estrutura linear, com início, meio e fim, e uma linguagem clássica. Mas precisa haver uma forma organizada, uma certa organicidade.


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