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CINEMA - MOSTRA DE SÃO PAULO
"Amor & Cia.' busca "mineirice' de Eça
da Equipe de Articulistas
"Amor & Cia.", que fecha hoje a
Mostra Internacional de Cinema
de São Paulo, foi o grande vencedor do recente Festival de Brasília.
Ganhou os prêmios de melhor
filme, atriz (Patrícia Pillar) e direção de arte, e foi muito bem recebido pela crítica e pelo público.
Adaptação da novela "Alves &
Cia.", de Eça de Queiroz, o filme foi
rodado em São João Del Rey (MG),
ao custo de R$ 3 milhões, e tem
também no elenco Marco Nanini e
Alexandre Borges.
O diretor Helvécio Ratton, 49,
ex-guerrilheiro da organização de
esquerda VAR-Palmares, passou
pela prisão, clandestinidade e exílio antes de se dedicar ao cinema e
se destacar com dois filmes para
crianças: "A Dança dos Bonecos" e
"O Menino Maluquinho".
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Folha - Você resolveu mudar de
gênero para não ficar preso ao rótulo de cineasta de filmes infantis?
Helvécio Ratton - Eu já havia feito curtas e médias "adultos". Minha ligação com o filme infantil foi
circunstancial. Fiz "A Dança dos
Bonecos" (1986) porque achava
que os filmes infantis não respeitavam a criança, viam-na como objeto de consumo. Meu projeto seguinte era um longa sobre a guerrilha urbana, "Era uma Vez em Brasília", que acabou inviabilizado
porque o Collor acabou com o cinema. Naquela época, o Ziraldo
me convidou para filmar o "Menino Maluquinho". Discuti o roteiro
com ele e fiz o filme.
Folha - Por que você escolheu
"Alves & Cia."?
Ratton - Sempre gostei de Eça de
Queiroz, mas foi só há alguns anos
que li "Alves & Cia.". Adorei o livro, e senti que poderia dar bom
filme. Além disso, não se tratava de
um texto consagrado, e sim de
uma obra menos conhecida do
Eça, editada postumamente por
seu filho. Tinha um tratamento
mais leve, com final cômico. Com
isso, eu me senti mais livre para
adaptar a história. Se fosse "Os
Maias", ou "O Primo Basílio", eu
me sentiria intimidado.
Folha - Quais foram as principais
mudanças que você fez?
Ratton - No plano factual, uma
mudança importante é a gravidez
de Ludovina, que não existia no livro. Acho que o final que inventei
caberia no universo do Eça, que é
cheio de casos de adultério, filhos
ilegítimos etc. Suprimi uns personagens, acrescentei outros e mudei
um pouco o caráter do Alves. Não
dá para fazer hoje a crítica à burguesia que se fazia há cem anos.
Folha - A ambientação em Minas
condiz com o espírito do livro?
Ratton - Acho que sim. Há uma
semelhança de traços de caráter
que aproxima a nós, mineiros, do
olhar de Eça, de sua observação
irônica, de seu humor sutil, de sorriso no canto dos lábios. Além disso, São João Del Rey teve um florescimento econômico justamente
na época em que se passa a história, com a chegada da ferrovia.
Folha - Do ponto de vista cenográfico, a cidade estava pronta...
Ratton - Sim, mas tivemos que
"maquiar" muita coisa, pois em alguns lugares havia casas comerciais, placas, fachadas modernas
etc. De modo geral, nossa preocupação básica era conseguir uma cidade que parecesse de verdade.
Folha - A história contém elementos que poderiam descambar
para a vulgaridade ou o besteirol.
Como enfrentou essa questão?
Ratton - As primeiras versões
que fizemos do roteiro tinham um
tom mais pesado, de baixa comédia. Aos poucos fomos encontrando o tom de humor mais adequado
ao estilo do Eça, que é um humor
irônico, de entrelinhas.
Folha - Você disse em Brasília
que vê o bom filme como "uma
boa história, bem contada e interpretada por bons atores". Não é
uma definição muito restritiva?
Ratton - O que eu queria dizer é
que o cinema pede uma narrativa
estruturada. Não é necessário que
o filme tenha uma estrutura linear,
com início, meio e fim, e uma linguagem clássica. Mas precisa haver uma forma organizada, uma
certa organicidade.
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