São Paulo, Terça-feira, 30 de Novembro de 1999


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Conferência Ministerial da OMC discute protecionismo cultural nos Estados Unidos

France Presse
Homem protesta na França contra a 3ª Conferência da OMC



União Européia não aceita que cinema, disco e livro sejam tratados como bem material, e sim "espiritual"


CLÓVIS ROSSI
enviado especial a Seattle


A 3ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, que começa hoje em Seattle (noroeste dos EUA) não vai discutir apenas bens materiais (do suco de laranja ao comércio eletrônico), mas também os que podem ser chamados de espirituais.
Para o governo francês, aliás, a verdadeira batalha na cidade norte-americana que hospeda a conferência, será exatamente em torno dos bens espirituais.
Escreve, por exemplo, Jean Castarède, representante do Estado no Centro Nacional de Cinematografia da França:
"O verdadeiro combate deve também ser levado contra a poluição dos espíritos e das sensibilidades, a fim de proteger as especificidades de todas as culturas e de todas as formas de expressão contra o rolo compressor econômico que se beneficia das vantagens da língua inglesa".
Tão longa frase para dizer, na prática, o seguinte: nem o governo francês nem a União Européia, o conglomerado de 15 países europeus, aceita que o mercado do audiovisual (cinema e TV, acima de tudo, mas também discos e livros) seja tratado como qualquer outra mercadoria, sujeita às regras liberais que hoje predominam no planeta.
Tanto é assim que, por pressão francesa, a União Européia traz para Seattle a tese de que cada país possa ter "a capacidade para definir e implementar suas políticas culturais e audiovisuais com o propósito de preservar a diversidade cultural".
Ou, posto de forma mais direta: os franceses, com mais ênfase, e os europeus, na esteira deles, não querem que sua produção cinematográfica e televisiva seja sepultada pela avalanche de enlatados importados dos EUA.
Talvez seja tarde demais. O déficit anual da União Européia nas trocas de filmes e programas audiovisuais com os Estados Unidos já é avaliado hoje em cerca de 6 bilhões de euros, o que dá praticamente a mesma coisa em dólares (e quase o dobro em reais).
Com o resto do mundo, então, a vantagem norte-americana é esmagadora, até porque pouquíssimos países têm recursos orçamentários suficientes para subsidiar sua produção cultural de forma a permitir não a impossível concorrência com a portentosa máquina norte-americana, mas pelo menos a sobrevivência da indústria cultural local.
A batalha cultural tem história nas negociações comerciais planetárias, tanto que quase fez fracassar o ciclo anterior de negociações, batizado de Rodada Uruguai e que durou de 1986 a 1993.
Já naquela época, eram os franceses os que mais batalhavam para que os países-membros não fossem obrigados a liberalizar o setor cultural da mesma forma como fizeram com outras áreas, em especial a indústria.
Os norte-americanos, sempre atentos a todas as oportunidades de abrir mercados alheios, acabaram cedendo. Resultado: dos 135 países que hoje fazem parte da OMC, 116 não abriram o mercado de bens audiovisuais.
Foi tão forte a resistência francesa que o setor cultural é o único que escapa inteiramente da regra de ouro do sistema comercial planetário, chamada de cláusula de nação mais favorecida. Significa que, se um benefício comercial é dado a um país-membro, todos os demais têm direito à idêntica vantagem.
Agora em Seattle, a questão reaparece, mas, muito possivelmente, será deixada de novo de lado, ao menos provisoriamente.
São tantas as divergências (especialmente entre Europa e Estados Unidos) que acrescentar mais um ponto polêmico à agenda seria correr o risco de que as negociações fracassassem completamente, afetando áreas economicamente mais sensíveis.
Mesmo porque o "rolo compressor", a que se refere Jean Castarède, funciona a todo vapor mesmo sem se beneficiar de regras liberais específicas. Se é, como diz o funcionário francês, uma "poluição dos espíritos", não será a OMC que começará um hipotético trabalho de limpeza ambiental.


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