São Paulo, Segunda-feira, 31 de Janeiro de 2000


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GUERRA DO CINEMA

Associação diz que lei de obrigatoriedade ainda está em vigor; Ministério da Cultura diz que não

Cineastas tentam impor exibição de curtas

Divulgação
Cena do curta "Esta Não É a Sua Vida", do cineasta Jorge Furtado


IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Quantos curtas brasileiros você viu nos anos 90? Para a grande maioria das pessoas, mesmo entre as que frequentam regularmente o cinema, a resposta deve ser nenhum.
Uma interpretação jurídica, entretanto, pode mudar esse panorama. A questão envolve a lei que obrigava a exibição de um curta-metragem brasileiro sempre que o cinema programava um filme estrangeiro. Pois essa lei esquecida pode ainda estar em vigor.
Essa, pelo menos, é a opinião da assessoria jurídica da Câmara dos Deputados, que elaborou um parecer após consulta da deputada Esther Grossi (PT-RS).
Mas não é a opinião do Ministério da Cultura (MinC), cuja assessoria jurídica considera a lei revogada.
"A lei está em vigor", diz Leopoldo Nunes, presidente da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD), que representa cerca de 700 cineastas. "Não queremos ter de entrar com ação judicial para fazê-la ser cumprida."
"A informação que tenho é que a lei não está em vigor", responde o secretário nacional de Audiovisual do MinC, José Álvaro Moisés. "Se estiver, será cumprida, mas alguém da instância judiciária terá que dizer isso."
Na semana passada, a deputada Esther Grossi conversou com Moisés. Nesta semana, terá audiência com o ministro da Cultura, Francisco Weffort. "O ministério está descumprindo a lei", diz a deputada. Segundo ela, o MinC deve ainda definir um órgão para fiscalizar os cinemas e se certificar de que a lei seja respeitada.

Conflito de interesses
A polêmica é relevante porque, de 90 para 99, a produção brasileira de curtas cresceu mais de 700% (veja quadro ao lado). Muitos desse filmes chegaram a ganhar prêmios e reconhecimento internacional (veja quadro à pág. 6-1).
No entanto, estão restritos a festivais de curtas, onde são assistidos apenas por quem trabalha na área ou pelos parentes e amigos dos diretores. Há exceções, como exibições feitas pela cadeia de cinemas do Espaço Unibanco ou por emissoras de televisão (a paulista TV Cultura e o Canal Brasil, por assinatura).
Outro ponto é que o próprio governo tem pagado, por meio de incentivos fiscais ou prêmios, a produção desses curtas-metragens que nunca são vistos.
"Com os recursos federais e estaduais que estão à disposição agora, devemos chegar tranquilamente a 200 curtas nacionais em 2000", diz Leopoldo Nunes.
O secretário de Audiovisual toca em outro assunto: "Essa lei expressa o desejo de um setor específico, que é o dos cineastas. Os exibidores são contra. Esse conflito de interesses deve ser pesado".
Deve-se dizer que obrigar um dono de cinema a exibir o que não quer é, no mínimo, complicado.

A questão jurídica
A causa da disputa que pode acabar na Justiça é uma confusão causada por duas leis. A primeira, de 9 de junho de 1975, é a 6.281. A lei trazia várias medidas de defesa do cinema nacional.
Uma dessas medidas, expressa no artigo 13, era: "Nos programas em que constar filme estrangeiro de longa-metragem, será estabelecida a inclusão de filme nacional de curta-metragem de natureza cultural, técnica, científica ou informativa".
Outra medida visava a cota de tela, ou seja, a obrigação de os cinemas exibirem longas-metragens nacionais por determinado número de dias ao ano.
Tudo isso perdeu o sentido com a extinção da Embrafilme, em 90. Praticamente não havia filmes nacionais, de curta ou longa-metragem, para serem exibidos.
Dois anos depois, a lei 8.401, de 9 de janeiro de 1992, liquidava juridicamente a Embrafilme e, de quebra, trazia algumas medidas em defesa do cinema nacional. A nova lei não tratou dos curtas, mas reeditou, por exemplo, a medida que estabelecia a cota de telas (atualmente em 49 dias).
O primeiro parecer pedido pela deputada Esther Grossi foi em 97. Na época, cineastas chegaram a fazer abaixo-assinado pedindo a volta da exibição de curtas. Depois, o caso morreu.
No fim do ano passado, um novo parecer, da assessoria técnica da bancada do PT na Câmara, pedido por Grossi e pelo também deputado Padre Roque (PT-PR), reafirmou a vigência da lei de 75.
O documento também sugeriu ação judicial contra o Ministério da Cultura no Ministério Público Federal. Por enquanto, a discussão não chegou aos tribunais.


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