São Paulo, sexta, 31 de janeiro de 1997.

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CINEMA/ESTRÉIA
Crash

Se ninguém impedir, estréia hoje o filme mais polêmico dos últimos anos. David Cronenberg e o escritor J.G. Ballard falam à Folha. Você está pronto para duas horas de sexo, acidentes de carros e corpos mutilados?

MARCELO REZENDE
da Reportagem Local

Pela segunda vez em nove anos, a produção do escritor britânico J.G. Ballard foi popularizada, exposta e vendida pelo cinema.
Conhecido no restrito círculo de fãs de ficção-científica, Ballard chegou a Hollywood pelas mãos de Steven Spielberg em ``Império do Sol'' (1987), que mostrou -docemente- suas memórias infantis.
Ao encontrar o canadense David Cronenberg em ``Crash'' (que chega hoje aos cinemas), o autor se livrou do excesso de autopiedade spielbergniana e achou, finalmente, o cineasta que compartilha com ele a preocupação com as tecnologias ``do dia-a-dia''.
``Eu sou um crítico da sociedade'', disse Ballard à Folha, por telefone, de sua casa em Shepperton, Inglaterra.
Com 15 romances publicados (a editora Record relança ``Crash'' em fevereiro e promete ``The Cocaine Nights'', última obra, ainda para este ano), Ballard se notabilizou por ser um dos raros romancistas contemporâneos capazes de escapulir aos críticos, aos rótulos e ao gosto inconstante da mídia. Leia abaixo trechos da entrevista.

Folha - Nos anos 70 o sr. escreveu uma ``trilogia do desastre urbano'', ``High-Rise'', ``Concrete Island'' e ``Crash''. O que é esse desastre?
J.G. Ballard -
A trilogia foi feita no início dos anos 70. Procurava escrever sobre os cenários modernos, as cidades modernas e de que modo suas novas tecnologias poderiam, de maneira terrível, despertar certas forças do inconsciente que estiveram adormecidas.
``Crash'' pode ser visto como o exemplo extremo dessa intenção. O que me interessava era a ``psicologia do automóvel'', a psicologia de uma violência em potencial que há nos carros e a sexualidade que pode haver no desastre.
Folha - Há uma relação estreita entre tecnologia e sexo?
Ballard -
As coisas caminham juntas, são inseparáveis. Mas, quando eu uso a palavra tecnologia, não quero dizer, como a maioria das pessoas, os grandes prédios ou os trens de alta velocidade.
Falo da tecnologia do nosso dia-a-dia, do tipo que você costuma encontrar na sua cozinha, que está presente em sua sala de estar. O carro tem um papel muito grande na relação entre um homem e uma mulher, sexualmente falando. A maioria dos americanos foram concebidos em um carro, quando seus pais faziam sexo no banco traseiro. Quero desvendar a maneira pela qual a tecnologia entra em nossas vidas e modifica o nosso comportamento.
``Crash'' mostra as conexões existentes entre o amor e a morte. Essas conexões têm sido exploradas nos últimos 200 anos! Poetas românticos no século 19, os simbolistas, os surrealistas do início do século.
Folha - ``Crash'' é um romance gótico?
Ballard -
Não, porque nesse gênero a excitação é o assunto, sua grande intenção é amedrontar e excitar o leitor. Eu acho que eu sou mais um ``crítico social''. Estou interessado em criticar e analisar as mudanças sociais.
Folha - Há perigo nas máquinas?
Ballard -
Claro que há. ``Crash'' é um aviso: `Tome cuidado'. Se quer colocar em termos simples, digo que se você gosta de violência é em ``Crash'' que poderá terminar, porque a nossa cultura da diversão está imersa em violência.
Folha - O sr. realizou uma exposição com carros acidentados, chamada ``New Sculptures, Crashed Cars by J.G. Ballard''. Qual a conexão com o livro?
Ballard -
Eu realizei essa exposição em Londres em 1969 e, depois disso, comecei a escrever ``Crash''. Eu fiz uma exibição de três carros acidentados.
Procurava observar como as pessoas se comportavam na galeria. Elas ficaram muita excitadas e começavam a atacar os carros.
Eu pensei que tudo isso, obviamente, evidenciava algum tipo de medo inconsciente que as pessoas tinham em relação aos carros acidentados. Esse foi o sinal verde para começar a escrever ``Crash''.
Folha - O filme foi duramente criticado em seu país.
Ballard -
Tudo aqui é política. Quando ``Crash'' foi exibido no London Film Festival, em dezembro, alguém do governo decidiu que poderia ser uma boa cruzada. Eles decidiram então evitar `toda violência no cinema'. Mas em ``Crash'' ninguém é assassinado, ninguém é espancado até a morte. Mas eles negaram isso, não se importaram com nada.


Leia mais sobre 'Crash' em http://www.flf.com/crash/index.html

Filme: Crash
Direção: David Cronenberg
Produção: Canadá, 1996
Com: James Spader, Holly Hunter
Quando: A partir de hoje nos cines Center 3, Paris e circuito


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