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CINEMA/ESTRÉIA
Crash
Se ninguém impedir,
estréia hoje o filme mais
polêmico dos últimos
anos. David Cronenberg e
o escritor J.G. Ballard
falam à Folha. Você está
pronto para duas horas de
sexo, acidentes de carros e
corpos mutilados?
MARCELO REZENDE
da Reportagem Local
Pela segunda vez em nove anos, a
produção do escritor britânico J.G.
Ballard foi popularizada, exposta e
vendida pelo cinema.
Conhecido no restrito círculo de
fãs de ficção-científica, Ballard
chegou a Hollywood pelas mãos de
Steven Spielberg em ``Império do
Sol'' (1987), que mostrou -docemente- suas memórias infantis.
Ao encontrar o canadense David
Cronenberg em ``Crash'' (que
chega hoje aos cinemas), o autor se
livrou do excesso de autopiedade
spielbergniana e achou, finalmente, o cineasta que compartilha com
ele a preocupação com as tecnologias ``do dia-a-dia''.
``Eu sou um crítico da sociedade'', disse Ballard à Folha, por telefone, de sua casa em Shepperton,
Inglaterra.
Com 15 romances publicados (a
editora Record relança ``Crash''
em fevereiro e promete ``The Cocaine Nights'', última obra, ainda
para este ano), Ballard se notabilizou por ser um dos raros romancistas contemporâneos capazes de
escapulir aos críticos, aos rótulos e
ao gosto inconstante da mídia.
Leia abaixo trechos da entrevista.
Folha - Nos anos 70 o sr. escreveu
uma ``trilogia do desastre urbano'',
``High-Rise'', ``Concrete Island'' e
``Crash''. O que é esse desastre?
J.G. Ballard - A trilogia foi feita
no início dos anos 70. Procurava
escrever sobre os cenários modernos, as cidades modernas e de que
modo suas novas tecnologias poderiam, de maneira terrível, despertar certas forças do inconsciente que estiveram adormecidas.
``Crash'' pode ser visto como o
exemplo extremo dessa intenção.
O que me interessava era a ``psicologia do automóvel'', a psicologia
de uma violência em potencial que
há nos carros e a sexualidade que
pode haver no desastre.
Folha - Há uma relação estreita
entre tecnologia e sexo?
Ballard - As coisas caminham
juntas, são inseparáveis. Mas,
quando eu uso a palavra tecnologia, não quero dizer, como a maioria das pessoas, os grandes prédios
ou os trens de alta velocidade.
Falo da tecnologia do nosso
dia-a-dia, do tipo que você costuma encontrar na sua cozinha, que
está presente em sua sala de estar.
O carro tem um papel muito grande na relação entre um homem e
uma mulher, sexualmente falando. A maioria dos americanos foram concebidos em um carro,
quando seus pais faziam sexo no
banco traseiro. Quero desvendar a
maneira pela qual a tecnologia entra em nossas vidas e modifica o
nosso comportamento.
``Crash'' mostra as conexões
existentes entre o amor e a morte.
Essas conexões têm sido exploradas nos últimos 200 anos!
Poetas românticos no século 19, os
simbolistas, os surrealistas do início do século.
Folha - ``Crash'' é um romance
gótico?
Ballard - Não, porque nesse gênero a excitação é o assunto, sua
grande intenção é amedrontar e
excitar o leitor. Eu acho que eu sou
mais um ``crítico social''. Estou
interessado em criticar e analisar
as mudanças sociais.
Folha - Há perigo nas máquinas?
Ballard - Claro que há. ``Crash''
é um aviso: `Tome cuidado'. Se
quer colocar em termos simples,
digo que se você gosta de violência
é em ``Crash'' que poderá terminar, porque a nossa cultura da diversão está imersa em violência.
Folha - O sr. realizou uma exposição com carros acidentados, chamada ``New Sculptures, Crashed
Cars by J.G. Ballard''. Qual a conexão com o livro?
Ballard - Eu realizei essa exposição em Londres em 1969 e, depois disso, comecei a escrever
``Crash''. Eu fiz uma exibição de
três carros acidentados.
Procurava observar como as pessoas se comportavam na galeria.
Elas ficaram muita excitadas e começavam a atacar os carros.
Eu pensei que tudo isso, obviamente, evidenciava algum tipo de
medo inconsciente que as pessoas
tinham em relação aos carros acidentados. Esse foi o sinal verde para começar a escrever ``Crash''.
Folha - O filme foi duramente criticado em seu país.
Ballard - Tudo aqui é política.
Quando ``Crash'' foi exibido no
London Film Festival, em dezembro, alguém do governo decidiu
que poderia ser uma boa cruzada.
Eles decidiram então evitar `toda violência no cinema'. Mas em
``Crash'' ninguém é assassinado,
ninguém é espancado até a morte.
Mas eles negaram isso, não se importaram com nada.
Leia mais sobre 'Crash' em http://www.flf.com/crash/index.html
Filme: Crash
Direção: David Cronenberg
Produção: Canadá, 1996
Com: James Spader, Holly Hunter
Quando: A partir de hoje nos cines Center
3, Paris e circuito
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