|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Richard Ford narra o épico das vidas ordinárias na América
Em "Independência", seu quinto romance, o escritor
transforma a viagem de um pai e seu filho, em pleno
feriado de 4 de julho, num mergulho no coração dos EUA
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
"Independência", o quinto romance do escritor norte-americano Richard Ford, 53, conseguiu
uma proeza inédita, vencendo em
1996 os dois principais prêmios literários dos EUA, o Pulitzer e o
PEN/Faulkner Award.
Depois de vender 400 mil exemplares no mercado americano e ser
traduzido para 20 idiomas, o livro
chega agora ao Brasil, pela editora
Record (leia abaixo). Nele, Ford
retoma o personagem Frank Bascombe, protagonista de "O Cronista Esportivo" (1986).
Transformado agora em corretor de imóveis, Bascombe aproveita o feriado do Dia da Independência para uma conturbada e reveladora viagem com seu filho-problema adolescente, Paul.
Ford concedeu esta entrevista à
Folha por telefone, de Chicago.
Folha - Por que o sr. resolveu fazer Frank Bascombe virar corretor
de imóveis? O sr. acha que esse é
um ponto privilegiado de observação das mudanças sociais nos
EUA?
Richard Ford - Não me dei conta disso no começo. Só pensava
que, num sentido muito prático,
tinha de dar-lhe uma nova profissão, no novo livro. E eu sabia bastante a respeito de imóveis.
Só depois que comecei a escrever
sobre Frank nessas novas circunstâncias percebi que era um meio
formidável de ter acesso às preocupações dos americanos.
Folha - O sr. chegou a trabalhar
no ramo de imóveis?
Ford - Não, mas tenho vivido
pelo país inteiro. Mudei de casa
muitas vezes. Comprei algumas,
vendi outras. Isso acabou me familiarizando com o assunto.
Folha - O romance é ambientado
em 1988. O sr. fez algum tipo de
pesquisa para recuperar os fatos e
o espírito daquela época?
Ford - Um pouco. Ambientei o
livro em 1988 por ser um ano eleitoral. Para me familiarizar com o
que ocorria na época, reli o que
noticiaram o "Times" de Londres
e principalmente o "The New
York Times" naquele ano.
Mas as interpretações sobre os
fatos e sobre o clima geral da época
eu tirei da minha cabeça.
Folha - O sr. não tem filhos. No
entanto, o retrato que faz da relação pai-filho é muito convincente
e tocante. Como chegou a isso?
Ford - Não tenho filhos e certamente não terei, mas sou muito
simpático ao vínculo entre pais e
filhos.
Acho que a maioria dos assuntos
sobre os quais escrevi com alguma
eficácia são assuntos pelos quais
tenho simpatia.
Quando você tem simpatia por
alguma coisa, sua curiosidade leva
você mais longe. Além disso, como
todo ser humano, tenho a experiência das minhas próprias relações com meus pais. No fundo,
não é muito difícil inventar um relacionamento pai-filho.
Folha - Frank Bascombe, assim
como o sr., nasceu no Mississippi
em 1944 e começou a carreira escrevendo livros. Ele é o que o sr.
poderia ter sido se não tivesse seguido a carreira literária?
Ford - Não posso responder
que não. Quem pode dizer o que
faria, se não tivesse feito o que fez?
Ao escrever sobre Frank Bascombe, nunca me vi escrevendo sobre
mim mesmo. Tudo o que eu imaginava tinha apenas uma motivação literária.
Quando a vida de alguém sofre
mudanças radicais, o interessante
é que essa vida pode assumir direções completamente inesperadas.
Para mim, o importante é que o
livro inclua esse tipo de informação, e não que fale sobre mim, ou
potencialmente sobre mim. O importante é que a vida é totalmente
surpreendente e imprevisível.
Folha - Em política, Bascombe é
um homem de esquerda que vota
nos democratas, mas é cético com
relação aos políticos democratas.
O sr. também é assim? Que pensa,
por exemplo, de Bill Clinton?
Ford - Apóio o presidente Clinton. Votei nele nas duas eleições e
acho que ele representa as aspirações da minha geração de americanos.
Acho que, quaisquer que sejam
suas falhas, são falhas nossas também. Tenho grande simpatia por
ele, e um bocado de paciência.
Acho que, se ele comete erros, seus
erros são exagerados por causa da
posição que ocupa.
Folha - O sr. não acha que isso
está acontecendo agora, com essas acusações de assédio sexual?
Ford - Certamente. Ele está sendo assassinado em público. Acho
que existe um notável enfado da
população americana diante do
nosso governo. Os americanos não
estão muito interessados no governo em si.
Então, o que parece é que todo
mundo quer participar de uma
versão de telenovela de uma crise
política, de um modo muito irresponsável.
Folha - Em seus livros, principalmente em "Independência", parece não haver propriamente personagens secundários, uma vez que
cada indivíduo, em algum momento, assume o primeiro plano na história...
Ford - Você tem razão em parte. Penso que, se vou colocar um
personagem num livro, tenho de
colocá-lo de uma maneira que lhe
permita revelar seu mundo moral.
Acho que, em termos formais,
existem personagens principais e
secundários, mas acredito, de fato,
que não deve haver personagens
subordinados, que sejam mero suporte para outros.
Acho, aliás, que é mais ou menos
assim que devemos tratar os outros seres humanos. Quando conhecemos uma pessoa, não a relegamos de cara a uma posição de
não-importância.
Folha - Quando o sr. começa a escrever um livro está tudo planejado ou algumas coisas o surpreendem durante a escrita?
Ford - Sou frequentemente surpreendido pelas mudanças de direção da história. Posso dar-lhe
um exemplo, referente a "Independência".
Eu sabia que, perto do final do
livro, deveria acontecer algo bastante dramático, que fizesse mudar a relação entre Frank e seu filho Paul. Tinha que ser um evento
importante, e eu não sabia que
evento seria esse até o momento
em que o escrevi.
Quando descrevi, umas 25 páginas antes, aquela máquina que atira bolas de beisebol para as pessoas rebaterem, pensei que aquela
era uma informação que poderia
usar mais tarde -e acabei usando
no clímax dramático.
Folha - Existe a possibilidade de
"Independência" virar filme?
Ford - Acho que não. O livro é
literário demais. A ação é muito
interior. Não há bombas explodindo, ninguém sendo assassinado.
Folha - Se o sr. pudesse escolher
um diretor para filmar o livro,
quem escolheria?
Ford - Não presto muita atenção ao cinema. Só gostaria que não
fosse Quentin Tarantino, por favor (risos).
Folha - Frank Bascombe pode se
tornar o protagonista de uma série
de romances, como o "Rabbit" de
John Updike?
Ford - Acho que ele pode ser o
personagem de só mais um livro.
Sou um escritor de um livro de cada vez. Não projeto séries. Pensar
muito à frente me desconcentra.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|