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Parabéns para o orgasmo nesta data querida
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Era um casarão na rua Alice.
O senhorio, pintor e poeta,
construiu dois andares no fundo, onde tinha meu espaço,
com vista para o Cristo e o Pão
de Açúcar. Na casa, uma clínica reichiana e um velho Corcel
branco, indicando que os terapeutas até poderiam estar se
divertindo, mas não viam a
cor do dinheiro.
Cem metros, um pouco antes
da curva, a mansão cor-de-rosa, com patos e galinhas no
quintal: o famoso rendez-vous
da rua Alice, onde, segundo a
lenda, iam se prostituir meninas com uniforme de normalista.
Teoria e prática eram vizinhos e talvez nem se dessem
conta um do outro. Mas se
houvesse uma utopia do tipo
orgasmo num só país, creio que
esse país começaria ali na sinuosa curva da Alice.
A clínica era reichiana, mas
não seguiu o seu guru até as
teses loucas dos últimos dias.
Não se montavam engenhocas
para medir orgasmo, pois pelo
menos isso se sabia: o orgasmo
era alegre, selvagem, incapaz
de ser domado estatisticamente, já que desafiava controles
marciais, religiosos. Como dizia o poeta, era uma flor que
nasce no asfalto.
Onde é que fomos atropelados e tudo pareceu, de repente,
tão empoeirado como o velho
Corcel branco, parado na porta? Centenas de terapias caíram sobre o corpo, da aura à
íris, dos florais às plantas dos
pés, antiginástica, kundalini,
massagearam até os ossos.
Vieram os instrumentos: cronômetros, bicicletas ergométricas, o chão tinto de faixas, indicando metros, quilômetros a
serem percorridos em horas,
minutos, segundos, frações de
segundo. A eficácia da produção teceu uma nova couraça.
Deixou-nos aqui, com um
cinto de castidade, enquanto
lá havia a guerra contra os radicais livres, mourooxidantes e
colateurois.
Colateurols.
Sem falar do vírus que nos
atercolateurois.
Sem falar do vírus que nos
atecolateurols.
Sem fcolateurols.
Sem colateurois.
Sem falar do vírus que nos
aterrocolateurols.
Sem falar do vírus que nos
acolateurois.
Colateurols.
Sem falar do vírus qcolateurois.
Sem falar do vírus que nos
aterrcolateurois.
Sem falar do vírus que nos
acolcolateurols.
Sem falar do vírus que nocolateurols.
Sem falar do vírus que nos
aterrocolateurols.
Sem falar do vírus colateurols.
Sem falar do vírus que nos
aterroriza colateurois.
Sem falar do vírus que nos
atercolaterouis.
Sem falar do Genoma que vai
mapear todo o mapa genético e
consumir US$ 3 bilhões revelam que há um longo debate
sobre as consequências e vantagens dessa aventura científica.
Antony Guiddens ("Beyond
Left and Right") lembra bem
que quase todos ocidentais hoje -os que ultrapassaram a linha da pobreza- fazem alguma espécie de dieta. Não para
emagrecer, mas para manter a
saúde diante de uma infinidade de informações sobre alimentos e sua repercussão.
Ele mesmo lembra que a ecotoxicidade, atacando-nos diariamente, aos pouquinhos, é
como a posse do corpo por centenas de milhares de formigas,
que, no princípio, apenas se fazem sentir, mas com o tempo
acabam nos derrubando.
O corpo escapou do nosso terapeuta do bairro, do japonês
que recoloca nossa coluna na
posição correta, da leitora de
tarô com suas saias compridas.
Poderosas indústrias, entre
elas a de biotecnologia, desenham nossas formas, do músculo das coxas à predisposição
ao infarto.
Mais do que nunca o orgasmo, com seu poder subversivo,
precisa balançar nossas ancas
biônicas, eletrizar silicones,
próteses de acrílico. O desastre
já aconteceu. Saudemos o orgasmo com um parabéns para
você. Além do mais, ainda é a
melhor forma de despistar os
vizinhos.
Os cem anos de Wilhem
Reich são um bom ponto de
partida para um debate sobre
o corpo que já não é mais
(aliás, quando foi?) natural e
implica uma incessante negociação de sua vida no contexto
de informações, medos e descobertas científicas. Ando muito
ocupado, posso contribuir com
um título para esse gigantesco
balanço teórico: foi bom pra
você?
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