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CRÍTICA
Filme busca Rio perdido
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
O escritório do advogado Pedro
Paulo (Antonio Fagundes) tem
uma enorme janela de vidro, de
onde se vê uma belíssima paisagem do Rio de Janeiro.
Quem não conhece bem o Rio
não consegue situar com mais
precisão essa paisagem.
Com a mesma generosidade
com que coloca sua câmera voltada para ela, em "Bossa Nova"
Bruno Barreto evita mostrar o exterior do prédio e a rua, como se
tentasse evitar o contágio de uma
pela outra.
Essa assepsia talvez seja o cerne
de "Bossa Nova". Não é uma assepsia que discrimina ricos e pobres, "gente direita" e bandidos. É
o presente que "Bossa Nova" trabalha para manter excluído.
O que Barreto se empenha em
mostrar não é um Rio "real", mas
uma cidade que existe em sua memória e em seus sonhos. O Rio da
bossa nova, de relações pessoais
afetuosas e atmosfera suave.
Nesse sentido, o passadismo é a
característica fundadora do projeto, e podemos deduzi-lo da maneira como o filme opõe o jeito
sutil com que o alfaiate Roberto
(Pedro Cardoso) paquera Sharon
(Giovanna Antonelli), uma estagiária de direito, aos novos modos dominantes, representados
pelo jogador de futebol Acácio
(Alexandre Borges). Da mesma
forma, entre o rock e a cançoneta
francesa, Barreto tomará partido
da segunda.
A intriga tem como centro os
amores de Pedro Paulo, advogado quarentão que, após ser largado pela mulher (Débora Bloch),
conhece a norte-americana miss
Simpson (Amy Irving). A paquera, o encontro e os mal-entendidos que se seguem criarão o humor e o romance do filme.
Paralelamente, acompanhamos
outro triângulo amoroso (envolvendo Roberto, Sharon e o futebolista) e um caso de amor via Internet entre outro americano,
Trevor (Stephen Tobolovsky), e
uma jovem brasileira, Nadine
(Drica Moraes). Caso que, o tempo mostrará, também afirmará
um triunfo do amor romântico
sobre o presente tecnológico.
Desde que voltou ao Brasil, para
filmar "O Que É Isso, Companheiro?", Barreto passou a olhar o
Rio de Janeiro com carinho especial.
Tão especial que de certa forma
arruinou seu projeto, ao usar a
guerrilha do fim dos anos 60 para
um projeto de ampla conciliação
entre passado e presente -que
não cabia, no caso, e determinou
as adulterações que levaram os
ex-militantes de esquerda a chiar,
não sem razão.
Nesse sentido, "Bossa Nova" é
muito mais bem-sucedido, na
medida em que a evocação do
amor romântico vai ao encontro
da personalidade do diretor, desde sempre mais propenso a aparar arestas do que a expor feridas,
a cultivar harmonias do que contradições.
É preciso assinalar, no entanto,
que a leveza do filme (bem de
acordo com o grafismo dos créditos de abertura) não deve muito
nem a François Truffaut -a
quem o filme é dedicado-, nem
a Howard Hawks -de quem toma emprestada a sequência final
de "Os Homens Preferem as Loiras".
Truffaut também era um cineasta da leveza, mas seu cinema
pregava a modernização e americanização do cinema francês. Se
propõe algo nessa direção, Barreto o faz em um tom tão baixo que
se torna difícil até escutá-lo.
Também a referência a Hawks é
um tanto de ocasião, já que seu
modo de filmar fundava-se sobre
um olhar muito específico sobre o
homem e a humanidade -e também modernizante.
Se Barreto recorre a eles como
referenciais privilegiados -assim como a Tom Jobim, é óbvio-, é menos por partilhar desse ímpeto modernizante do que
por eles representarem o passado,
essa "belle époque" perdida.
Mas observar o passado, acolhê-lo, recuperá-lo, isso pode
constituir perfeitamente uma atitude atual, e é nesse sentido que o
filme se torna defensável: ao acenar com um tempo perdido, em
que se esperava o futuro com menos cinismo e mais esperança,
"Bossa Nova" não apenas remete
a um tempo vivenciado como
melhor, mas de algum modo convoca seu espectador a ver esse
passado mítico -mas tão próximo de nós- como perspectiva
futura.
Se "O Que É Isso, Companheiro?" aplastava a história, "Bossa
Nova" é seu oposto: trata-se, aqui,
de buscar no passado inspiração e
valores para enfrentar os desafios
do presente.
Avaliação:
Filme: Bossa Nova
Direção: Bruno Barreto
Produção: Brasil, 1998
Com: Antonio Fagundes, Amy Irving,
Alexandre Borges, Débora Bloch, Pedro
Cardoso, Drica Moraes
Quando: a partir de hoje, nos cines Belas
Artes (sala Villa-Lobos), Eldorado 2 e
circuito
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