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CINEMA ESTRÉIAS
"O Terceiro Milagre" põe fé católica nos EUA
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
Discussão teológica simplificada para espetáculo, "O Terceiro
Milagre" engrossa gênero em alta,
o do "filme adulto". Pressupõe
platéias com mínima informação
sobre religião -melhor ainda se
instruída nos dogmas centrais do
catolicismo- e, ao mesmo tempo, não-ortodoxa. Por coincidência, entra em cartaz fazendo par
com a mística católica ambígua
do escritor Graham Greene,
adaptada em "Fim de Caso".
"O Terceiro Milagre" tem a assinatura de Agniezka Holland. Filmando alternadamente na Europa e nos EUA desde o início dos
anos 90, a diretora alimenta certo
prestígio em torno de filmes como "Washington Square" (1997),
palatável versão do romance homônimo de Henry James, ou
"Eclipse de uma Paixão" (1995),
visão muito pessoal do romance
entre os escritores Verlaine e
Rimbaud.
O filme fala sobre um padre católico norte-americano em crise
de fé, convocado pela cúpula eclesiástica para investigar, como um
policial, a autenticidade de milagres e desmascarar supostos santos, eleitos pela fé popular.
O primeiro quarto do filme narra o desvendamento do caso de
um religioso que, apesar de motivar milagres após a sua morte,
nutria culto demoníaco e cometera o suicídio. Apenas um entre os
tantos paradoxos que sustentam
os pilares de qualquer crença religiosa -e uma boa sacada do romance de Richard Vetere que originou o roteiro.
Em sua segunda missão, o padre Frank Shore (Ed Harris), devoto de um bom copo, deve examinar o fenômeno de uma estátua da Virgem que chora um sangue capaz de provocar curas. Por
trás da imagem sacra está Helen,
uma imigrante da Europa Central, fugitiva da Segunda Guerra.
Essa candidata à santificação é
interpretada pela ótima atriz alemã Barbara Sukowa, que nos
acostumamos a ver em papéis de
devassa nos filmes de Rainer
Werner Fassbinder ("Lola",
1981). Apenas uma dentre as muitas ironias dessa produção.
Até chegar a advogar, contra todos as probabilidades, a causa da
beatificação de Helen, padre
Frank deve passar por um rosário
de contradições: a moça que fora
objeto de milagre tornou-se vagabunda drogada; a "filha da santa"
cospe na memória da mãe e a culpa de abandono; um bispo concede audiência ao "investigador"
em meio a um banho cosmético
de lama negra; outro o humilha
falando de restaurantes caros. Enquanto isso, o desejo sexual e tendência alcoólatra de Frank atingem níveis transbordantes.
Passo a passo, o filme dá provas
evidentes de um surpreendente
interesse da mentalidade protestante, a maioria nos EUA, pela
mitologia católica. Sem escândalo, no entanto: Holland passa ao
largo do imaginário kitsch consagrado por Hollywood para filmes
sobre fé religiosa (dos "Exorcistas" ao recente "Stigmata").
A diretora também é hábil em
driblar a verborragia e esquematizações do roteiro. Ela tempera um
excesso de diálogos com um enredante pastiche de música sacra,
assinado pelo polonês Jan Kaczmarek; destina o personagem-clichê de um prelado alemão com
psicologia nazista a um ator de inteligência e recursos fora do comum, Armin Mueller-Stahl. Ele
comenta um tipo raso com acentos faciais e vocais próximos ao
do mafioso interpretado por Marlon Brando em "O Poderoso Chefão", que por sua vez remete ao
produtor de "O Terceiro Milagre", o cineasta Francis Ford Coppola, católico ele também.
Avaliação:
Filme: O Terceiro Milagre (The Third
Miracle)
Direção: Agniezka Holland
Produção: EUA, 1999
Com: Anne Heche, Ed Harris e Armin
Mueller-Stahl
Quando: a partir de hoje, nos cines
Jardim Sul 3, Tamboré 1 e circuito
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