São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2000


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CINEMA ESTRÉIAS
"O Terceiro Milagre" põe fé católica nos EUA

ALVARO MACHADO
especial para a Folha


Discussão teológica simplificada para espetáculo, "O Terceiro Milagre" engrossa gênero em alta, o do "filme adulto". Pressupõe platéias com mínima informação sobre religião -melhor ainda se instruída nos dogmas centrais do catolicismo- e, ao mesmo tempo, não-ortodoxa. Por coincidência, entra em cartaz fazendo par com a mística católica ambígua do escritor Graham Greene, adaptada em "Fim de Caso".
"O Terceiro Milagre" tem a assinatura de Agniezka Holland. Filmando alternadamente na Europa e nos EUA desde o início dos anos 90, a diretora alimenta certo prestígio em torno de filmes como "Washington Square" (1997), palatável versão do romance homônimo de Henry James, ou "Eclipse de uma Paixão" (1995), visão muito pessoal do romance entre os escritores Verlaine e Rimbaud.
O filme fala sobre um padre católico norte-americano em crise de fé, convocado pela cúpula eclesiástica para investigar, como um policial, a autenticidade de milagres e desmascarar supostos santos, eleitos pela fé popular.
O primeiro quarto do filme narra o desvendamento do caso de um religioso que, apesar de motivar milagres após a sua morte, nutria culto demoníaco e cometera o suicídio. Apenas um entre os tantos paradoxos que sustentam os pilares de qualquer crença religiosa -e uma boa sacada do romance de Richard Vetere que originou o roteiro.
Em sua segunda missão, o padre Frank Shore (Ed Harris), devoto de um bom copo, deve examinar o fenômeno de uma estátua da Virgem que chora um sangue capaz de provocar curas. Por trás da imagem sacra está Helen, uma imigrante da Europa Central, fugitiva da Segunda Guerra.
Essa candidata à santificação é interpretada pela ótima atriz alemã Barbara Sukowa, que nos acostumamos a ver em papéis de devassa nos filmes de Rainer Werner Fassbinder ("Lola", 1981). Apenas uma dentre as muitas ironias dessa produção.
Até chegar a advogar, contra todos as probabilidades, a causa da beatificação de Helen, padre Frank deve passar por um rosário de contradições: a moça que fora objeto de milagre tornou-se vagabunda drogada; a "filha da santa" cospe na memória da mãe e a culpa de abandono; um bispo concede audiência ao "investigador" em meio a um banho cosmético de lama negra; outro o humilha falando de restaurantes caros. Enquanto isso, o desejo sexual e tendência alcoólatra de Frank atingem níveis transbordantes.
Passo a passo, o filme dá provas evidentes de um surpreendente interesse da mentalidade protestante, a maioria nos EUA, pela mitologia católica. Sem escândalo, no entanto: Holland passa ao largo do imaginário kitsch consagrado por Hollywood para filmes sobre fé religiosa (dos "Exorcistas" ao recente "Stigmata").
A diretora também é hábil em driblar a verborragia e esquematizações do roteiro. Ela tempera um excesso de diálogos com um enredante pastiche de música sacra, assinado pelo polonês Jan Kaczmarek; destina o personagem-clichê de um prelado alemão com psicologia nazista a um ator de inteligência e recursos fora do comum, Armin Mueller-Stahl. Ele comenta um tipo raso com acentos faciais e vocais próximos ao do mafioso interpretado por Marlon Brando em "O Poderoso Chefão", que por sua vez remete ao produtor de "O Terceiro Milagre", o cineasta Francis Ford Coppola, católico ele também.


Avaliação:    


Filme: O Terceiro Milagre (The Third Miracle) Direção: Agniezka Holland Produção: EUA, 1999
Com: Anne Heche, Ed Harris e Armin Mueller-Stahl
Quando: a partir de hoje, nos cines Jardim Sul 3, Tamboré 1 e circuito


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