São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 2000


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O FENÔMENO MUSICAL
Demora não tira o gosto

EDSON FRANCO
Editor de Veículos

Pena que "Buena Vista Social Club" tenha demorado tanto para entrar no circuito comercial no Brasil -chegou primeiro ao Rio, em 18 de fevereiro, depois Brasília e Belo Horizonte, em 17 de março. Apesar de ainda dar mostras de vitalidade, a onda de música cubana -cujos estopins foram o filme e o CD homônimo- chega ao país já com um gosto de rebote.
Mas isso não tira a importância dessa redescoberta de uma musicalidade abruptamente enclausurada pelo embargo decorrente da revolução de Fidel Castro.
Para dar um toque mais dramático a esse resgate, há uma série de obras do acaso.
Ao fazer as malas para gravar o disco e o documentário com músicos da velha-guarda cubana, o guitarrista norte-americano Ry Cooder, 52, conhecia poucos nomes e sequer tinha a certeza de que os donos desses nomes ainda estavam vivos.
Chegando à ilha, encontrou um parque jurássico musical. Os poucos nomes da lista de Cooder apresentaram outros músicos. Todos estavam loucos para registrar em disco uma música que vem deleitando apenas os nativos há mais de 40 anos.
Para dar uma idéia do cenário que se descortinou aos olhos do guitarrista norte-americano, o cantor Ibrahim Ferrer, 72 -estrela maior da turma de "Buena Vista"-, trabalhava como engraxate às vésperas do convite para participar da empreitada.
Ao nome dele, somam-se, principalmente, os do cantor Compay Segundo e do pianista Rubén González, que não estavam levando uma vida muito melhor.
Mas, em termos estritamente musicais, qual a importância desse resgate? A resposta é simples e reside no fato de os músicos envolvidos ainda terem vigor suficiente para passar adiante uma tradição que dominam. Isso apesar da média de idade de mais de meio século dos músicos.
Assim, eles retomam a história musical da ilha do ponto em que ela estagnou, mais exatamente em 1959, ano da revolução.
E trazem de volta uma química que mistura bongôs, marimbas e contrabaixos mantendo o ritmo, metais que dão brilho e pontuam a melodia, violões como referenciais harmônicos e cantores especialistas na arte de explorar timbres agudos e notas longas.
O resultado é uma música que ainda respira contemporaneidade. Muito mais do que um prazer arqueológico, a sonoridade da turma de "Buena Vista" passa a certeza de que, independentemente de questões ideológicas, estatização tem limite.


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