São Paulo, terça, 31 de março de 1998

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David Byrne está aqui de novo

Byrne expõe 'art rock' em SP

Divulgação
O cantor e compositor David Byrne, que apresenta hoje no Palace, em São Paulo, show do CD "Feelings"


Ex-líder da banda new wave Talking Heads, hoje em carreira solo em que abraça o pop e os ritmos do Terceiro Mundo, faz única apresentação hoje, em São Paulo BIA ABRAMO
especial para a Folha, de Berkeley



David Byrne, que faz shows hoje, em São Paulo, e sexta, no Rio, parece estar em algum ponto de inflexão em sua carreira de mais de duas décadas. A pista quem deu foi o próprio Byrne: "Neste show, eu faço uma espécie de retrospectiva", disse em entrevista à Folha, duas semanas atrás. Sorte do público brasileiro, que nunca pôde ouvir hits como "Psycho Killer".
Sintomas de fechamento de ciclo também estão em "Feelings", CD mais recente, um resumo de suas andanças pelo mundo do pop. Diferentemente de outros momentos de sua carreira solo, em "Feelings", Byrne conseguiu consistência pop e coerência autoral que não se viam desde os bons tempos.
Os bons tempos... Byrne esteve à frente da banda mais excitante e intrigante do final dos anos 70. O nome da banda era Talking Heads, surgida em 75 naquela cena que legou tanto o punk em sua forma mais primitiva e visceral (Ramones), quanto algumas das mais criativas experiências do cruzamento entre o rock e a, digamos, arte (Patti Smith, Television).
Os TH eram estranhos no ninho nesse ambiente de sonoridade crua: seu som era um pouco mais leve e limpo que o de seus pares, e sua atitude, menos agressiva.
Byrne encarnou o artista/autista por toda a primeira fase dos TH. Olhar meio vago, dança mecanizada, frieza esquizofrênica e letras falando de esquisitices e alienação combinavam-se com uma dose razoável de experimentação.
A aproximação com a música negra -então olhada com desconfiança pelo pop branco por sua associação com a detestada discothèque-, primeiro funk e soul afro-americanos, mais tarde a fonte africana, consolida o tom sofisticado, provocativo e dançante.
Tornaram-se a banda "intelectualizada", "chique", "cool" pelo trânsito fluido entre cultura pop e vanguarda nova-iorquina, mas também um sucesso nas pistas de dança.
A segunda metade dos anos 80 pegou os Heads no contrapé. Byrne passou a prestar mais atenção a suas atividades extra-banda: dirigiu um filme ("True Stories"), criou música para teatro (Robert Wilson) e dança (Twyla Tharp), compôs e produziu trilhas sonoras ("O Último Imperador").
O tempo dos Talking Heads já estava acabando, mas ainda fariam uma última tentativa com "Naked" (88). Byrne transformou o seu longo caso de amor com a música pop de fora do eixo EUA-Inglaterra no selo Luaka Bop. Narizes se torceram, farejando oportunismo para aproveitar a popularidade da "world music".
Mas o selo dedicou-se a uma pesquisa não muito convencional nos cinco continentes, revelando para o público norte-americano e europeu a música brasileira para além da bossa nova e das escolas de samba, até redescobrindo Tom Zé (também para os brasileiros desmemoriados). Desde o ano passado, com o sucesso do Cornershop, passou a disputar um lugar no mainstream.
Nos seus discos pós-TH, entretanto, algo não foi muito bem. Seja por uma combinação infeliz de oportunismo e pretensão em "Rei Momo" (89), por uma fidelidade desastrada a sua persona autista em "Uh-Oh" (92), ou por simples falta de energia e inspiração em "David Byrne" (94), a década de 90 parecia repetir a falta de direção do final dos 80. Até "Feelings" (97), onde Byrne parece ter resumido todas as tentativas anteriores, com um pouco mais de fôlego.

Show: David Byrne
Onde: em São Paulo, no Palace (av. dos Jamaris, 213, tel. 011/531-4900); no Rio, no Metropolitan (av. Ayrton Senna, 3.000, tel. 021/385-0540) Quando: hoje, às 21h30 (SP), e sexta, às 21h30 (RJ) Quanto: R$ 25 a R$ 80


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