São Paulo, terça, 31 de março de 1998

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Moda e artista perseguem um ao outro

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

A arte não tem sido muito leve a David Byrne. Em seus já 20 e tantos anos de carreira, ele vem sendo, por uma ou outra razão, artista de moda -quando a inventa ou quando se vê colhido por ela.
Surgiu, com os Talking Heads, tomando carona numa linguagem quase de todo nova. A new wave florescia em Nova York para, logo mais, oferecer de bandeja à Inglaterra o título de berço do punk.
Byrne se encarregava da face mais cândida da new wave. Mas destoou daquele boom transitório do entrecho 1977-1979. Diferentemente de Debbie Harry e Blondie, Tom Verlaine e Television, Richard Hell e Voidoids, Patti Smith, os Heads angariaram sobrevida (e sucesso) anos 80 afora.
Persistente, o som dos Heads hoje (e pode ser que isso passe logo mais) soa muito envelhecido, datado. O que havia de pretensioso nos arfares de Byrne agrava tal proposição: de repente, ficou penoso assimilar o som TH.
O irmão gêmeo bastardo da banda, Tom Tom Club (formado por metade dos Heads, Tina Weymouth e Chris Frantz), vem comprovar: faz (ou fazia, já que eles se reuniram a Jerry Harrison para refundar os TH, agora só Heads porque o nome é de Byrne) pop despretensioso, despojado e por isso bem mais arejado que o do chefão.
Este, por sua vez, quis ditar moda no início da carreira solo inventando o pop de Terceiro Mundo -no qual até nosso bom Tom Zé esteve engajado. Diagnósticos convergiram, em esquadros que o tachavam tanto de benfeitor como de colonialista. Nem é caso de alimentar a celeuma. O fato é que faltava a Byrne aparato para cantar samba, rumba ou cha-cha-cha.
Meteu-se nessa e se viu num beco sem saída. Não dava para ir adiante, retroceder ficaria feio. O Byrne que volta hoje ao Brasil é ainda esse, metido na encruzilhada, à parte os resultados (artísticos) produtivos de "Feelings", seu mais recente CD, mais para Devo que para "art rock".
Ele agora procura solução de meio-termo, mas padece do momento hostil, em que TH parecem vencidos demais e world music nova-iorquina (ei, Arto Lindsay vem aí), intelectualóide demais. A arte não tem sido muito leve para David Byrne. Nem ele para ela.



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