São Paulo, terça, 31 de março de 1998

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ANÁLISE
Mostra teve bom teatro e cenas lamentáveis

NELSON DE SÁ
enviado especial a Curitiba

Foi bom teatro, capitaneado pelo aguardado "Needles and Opium", agulhas e ópio, texto e direção do canadense Robert Lepage, "o novo Peter Brook".
Já se vão seis anos que a peça mostrou ao circuito internacional do teatro "de arte" que era possível integrar linguagens diversas, sem que uma afetação formal destruísse a profundidade ou a singeleza da experiência teatral.
O Brasil recebeu Lepage com atraso, mas não importa. "Needles", mesmo sem passar por São Paulo, deixa a sua marca.
Outras montagens, as já conhecidas "Ela", com Zé Celso, "Diário de um Louco", com Diogo Vilela, "A Dama da Noite", com Gilberto Gawronski, "Desobediência Civil", de e com Denise Stoklos, "Oscar Wilde", com Elias Andreato, mostraram o que de melhor -e mais compacto- se faz no teatro brasileiro, hoje.
Nas estréias nacionais da mostra, não poucas frustrações, mas algumas esperanças. Anton Tchecov, no centenário do Teatro de Arte de Moscou, começou mal.
"Ivanov", direção de Eduardo Tolentino, do grupo Tapa, e "Tio Vânia", com Renato Borghi e Mariana Lima, mostraram-se produções "pesadas", como que envelhecidas já no nascimento.
Bertolt Brecht, outro centenário, ganhou a mescla de entretenimento e experimentação de "Santa Joana dos Matadouros", direção de Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano, e a ainda entediante "Maligno Baal, o Associal", direção de Márcio Aurélio.
Ainda "em progresso", "Éonoé", do Pia Fraus, mesmo grupo da excelente "Flor de Obsessão", indica seguir na mesma qualidade. E "Divinas Palavras" , ecoando "Vau da Sarapalha", pode ser vista como uma revelação, na figura da diretora alemã Nehle Franke.
O Fringe, a mostra paralela, concentrada em peças da própria cidade de Curitiba, num desenvolvimento do que já havia acontecido de forma incipiente no ano anterior, também acumulou equívocos e alguns destaques -e aqui foi preciso recorrer também à opinião de terceiros, pelas proporções que acabou tomando.
Quatro títulos a atentar: "Killer Disney", encenada por Marcelo Marchioro, "Um Artista da Fome", encenada por Fernando Kinas, e, de produção já mais reconhecida, "O Veneno do Teatro", de e com Antônio Abujamra, e "A Arte Oculta", com Cristina Mutarelli e Carlos Moreno.
Talvez pelas seis dezenas de peças, sendo duas dezenas com produção direta do festival, mas talvez pela visão excessivamente comercial dos produtores, conhecida de outros festivais, foi uma mostra de qualidade, mas algo fria e de episódios lamentáveis.
No que foi possível levantar, a produção propriamente (montagem de cenários, equipamentos etc.) progrediu, com exceções -de que "Ivanov" foi o caso mais triste, prejudicial à peça.
Mas um episódio em particular, acompanhado pelo crítico e pelo público, esclarece melhor o espírito negativo desta edição do festival -para além do gigantismo.
Um ator local, sem dinheiro, tentou ver "Tio Vânia". Foi descoberto pela equipe do festival e arrancado da platéia, que não estava lotada, às bofetadas.
"Ninguém que é artista tira outro artista", gritou ele, desesperado, entre palavrões. Depois sentou-se na calçada e chorou por quase 20 minutos, enquanto o espetáculo prosseguia.
Em menores dimensões, de outras maneiras, é o que se viu por toda parte, ao longo do 7º Festival de Teatro de Curitiba.



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