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O INÉDITO DE FASSBINDER
Obra do cineasta revela-se sólida
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O que primeiro chama a atenção em R.W. Fassbinder é a
velocidade com que filma: cerca
de 40 filmes em 13 anos. Um ritmo alucinante, digno dos pioneiros do cinema mudo.
Não é de espantar que sua obra
seja desigual, por vezes dispersiva. Mais espantoso, no entanto, é
sua inteireza. Fassbinder como
que se propôs a passar a limpo a
Alemanha do pós-guerra, em filmes não raro rascunhados às
pressas, que abordavam mais ou
menos todos os temas: a política,
a sexualidade, a homossexualidade, o milagre econômico, a solidão, o amor, os negócios, a guerra.
Nos anos 70, quando o "novo cinema alemão" surgiu com força
no mundo, no entanto, ele era o
menos destacado do trio de ferro
que Werner Herzog e Wim Wenders completavam.
Eram bem diferentes os três.
Wenders vinha da crítica e como
que trazia a nouvelle vague para a
Alemanha. Herzog mergulhava
nas raízes românticas de seu país.
Seus filmes de imediato conquistaram o respeito do público.
Diversidade
Fassbinder chegou mais devagar. A diversidade de sua obra, a
alternância de trabalhos ora despojados, ora barrocos, o fato de
por vezes brandir suas origens
teatrais na tela, a forte influência
do melodrama -tudo isso tornava difícil ver ali uma obra. Sobretudo porque ele era quase necessariamente comparado a Herzog
e Wenders (entre outros), autores
quase monotemáticos.
Com o tempo, no entanto, é justamente a diversidade da obra
que termina se impondo. Percebemos aos poucos que seu universo era tão ou mais amplo que o
de seus colegas.
E que, se os filmes eram desiguais, misturando obras-primas
com trabalhos de menor interesse, existia ali um conjunto, talvez
não procurado, mas de todo modo coerente.
Fassbinder era um cineasta de
oposição, no sentido em que,
mais do que ninguém, via na Alemanha pós-nazista a marca do
passado recente sobre o qual o
país tentava passar rapidamente a
borracha.
Esquerda e direita
Sabia ser impiedoso com a esquerda ("Mamãe Kusters Vai para o Céu") e com a direita ("Lola"). Observava o racismo de seus
compatriotas em "Todos os Outros se Chamam Ali".
Mesmo nesses filmes nunca deixou de colocar em relevo os afetos. Discípulo apaixonado de
Douglas Sirk, o grande mestre do
melodrama dos anos 50, Fassbinder nunca condenava inteiramente seus personagens. Não era
complacente. Parecia, antes, observar suas trajetórias (mesmo
quando abjetos) mais com desencanto do que com ódio.
Ao mesmo tempo, sabia observar uma cantora que fizera sucesso durante o período nazista ("Lili
Marlene") com extrema ternura.
Talvez o melhor de Fassbinder
esteja, afinal, nessas obras em que
a dor se manifesta mais intensamente, como "As Lágrimas
Amargas de Petra von Kant" ou
"O Desespero de Veronika Voss".
Talvez mais correto seja dizer
que, vista retrospectivamente, essa obra que em princípio parece
quase caótica, dada sua amplitude
e variações estilísticas, revela-se
una, sólida, inventiva.
Enfim, um conjunto que fala da
Alemanha depois da guerra e antes da queda do Muro de Berlim
com mais eloquência do que
qualquer outra.
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