São Paulo, quinta-feira, 31 de maio de 2001

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O INÉDITO DE FASSBINDER

Obra do cineasta revela-se sólida

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O que primeiro chama a atenção em R.W. Fassbinder é a velocidade com que filma: cerca de 40 filmes em 13 anos. Um ritmo alucinante, digno dos pioneiros do cinema mudo.
Não é de espantar que sua obra seja desigual, por vezes dispersiva. Mais espantoso, no entanto, é sua inteireza. Fassbinder como que se propôs a passar a limpo a Alemanha do pós-guerra, em filmes não raro rascunhados às pressas, que abordavam mais ou menos todos os temas: a política, a sexualidade, a homossexualidade, o milagre econômico, a solidão, o amor, os negócios, a guerra.
Nos anos 70, quando o "novo cinema alemão" surgiu com força no mundo, no entanto, ele era o menos destacado do trio de ferro que Werner Herzog e Wim Wenders completavam.
Eram bem diferentes os três. Wenders vinha da crítica e como que trazia a nouvelle vague para a Alemanha. Herzog mergulhava nas raízes românticas de seu país. Seus filmes de imediato conquistaram o respeito do público.

Diversidade
Fassbinder chegou mais devagar. A diversidade de sua obra, a alternância de trabalhos ora despojados, ora barrocos, o fato de por vezes brandir suas origens teatrais na tela, a forte influência do melodrama -tudo isso tornava difícil ver ali uma obra. Sobretudo porque ele era quase necessariamente comparado a Herzog e Wenders (entre outros), autores quase monotemáticos.
Com o tempo, no entanto, é justamente a diversidade da obra que termina se impondo. Percebemos aos poucos que seu universo era tão ou mais amplo que o de seus colegas.
E que, se os filmes eram desiguais, misturando obras-primas com trabalhos de menor interesse, existia ali um conjunto, talvez não procurado, mas de todo modo coerente.
Fassbinder era um cineasta de oposição, no sentido em que, mais do que ninguém, via na Alemanha pós-nazista a marca do passado recente sobre o qual o país tentava passar rapidamente a borracha.

Esquerda e direita
Sabia ser impiedoso com a esquerda ("Mamãe Kusters Vai para o Céu") e com a direita ("Lola"). Observava o racismo de seus compatriotas em "Todos os Outros se Chamam Ali".
Mesmo nesses filmes nunca deixou de colocar em relevo os afetos. Discípulo apaixonado de Douglas Sirk, o grande mestre do melodrama dos anos 50, Fassbinder nunca condenava inteiramente seus personagens. Não era complacente. Parecia, antes, observar suas trajetórias (mesmo quando abjetos) mais com desencanto do que com ódio.
Ao mesmo tempo, sabia observar uma cantora que fizera sucesso durante o período nazista ("Lili Marlene") com extrema ternura.
Talvez o melhor de Fassbinder esteja, afinal, nessas obras em que a dor se manifesta mais intensamente, como "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant" ou "O Desespero de Veronika Voss".
Talvez mais correto seja dizer que, vista retrospectivamente, essa obra que em princípio parece quase caótica, dada sua amplitude e variações estilísticas, revela-se una, sólida, inventiva.
Enfim, um conjunto que fala da Alemanha depois da guerra e antes da queda do Muro de Berlim com mais eloquência do que qualquer outra.


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